sexta-feira, maio 28

hã...er...


ainda não estou em mim...hã...SOMOS CAMPEÕES CARALHO!

O Arraial continua...

"-Somos campeões CARALHO!!!"
resposta de um miúdo 6 anos à pergunta de um dos inúmeros jornalistas da RTP espalhados pelos 4 cantos do globo, numa cobertura televisiva sem precedentes desde o casório da jornalista:
"-Não tens escola amanhã?"


"-Somos campeões CARALHO!!!"
resposta de Quim Galinha, frequentador de tabernas profissional, 32 anos, à pergunta de um dos inúmeros jornalistas da RTP espalhados pelos 4 cantos do globo, numa cobertura televisiva sem precedentes desde o casório da jornalista:
"-Tem um cigarrito que me desenrasque?"


"-Somos campeões CARALHO!!!"
resposta de Pedro Bola, fanático do FCP, 24 anos, à pergunta de um dos inúmeros jornalistas da RTP espalhados pelos 4 cantos do globo, numa cobertura televisiva sem precedentes desde o casório da jornalista:
"-Acha que é desta? A tão aguardada "Retoma"?"

Sem título

A ideia do inglês maluco despido a correr de braços hilariantemente abertos para abraçar a Letizia, (porque eles merecem que os tratemos pelos nomes), lançada em mais um parlatório lençolado por um distinto camarada pedreiro, fascinou-me, mas, uma questão:
-Onde esconderia este anarquista dos nossos tempos o cartucho de dinamite?
Em tempos que lá vão um anarquista daquele tempo tentou fazer o mesmo com um bisavô do "nosso" dito Juanito, mas sem tirar a roupa, antes com os cartuchos (daqueles redondinhos dos filmes de cowbois americanos, com rastilho e tudo), bem enroscadinhos num belíssimo ramalhete de rosas, subiu a uma varanda e atirou, em êxtase "terrorista", ou seja, com os olhos raiados em sangue e os dentes cerrados em alicate, a prenda aos noivos. Azar dos azares, o ramalhete logo caiu em cima de um eléctrico, igual aos nossos belíssimos 28, que o levou dali para fora. Rebentou o eléctrico e as 30 pessoas que estavam lá dentro.
Moral da história, (de barba branca e ritmo de avô que conta histórias de fadas aos netinhos): -Naquele tempo, a importância que se dava a este tipo de eventos permitia que trinta pessoas estivessem dentro de um eléctrico em movimento, completamente alheadas daquele arraial todo, em trânsito, no seu dia-a-dia, provavelmente de regresso de um duro dia de trabalho numa qualquer fundição de aço da periferia. Ou talvez não, provavelmente esta seria a forma encontrada pela Carris dos espanhóis para fazer mais uns trocados, a avaliar pelo preço das varandas..., mas, naquele tempo...
O que nos leva a outra questão, haverá direito, (e para isto conto com o parecer do nosso distintíssimo amigo Pedreiro das leis), haverá direito, repito, de alguém nos restringir as liberdades, a ponto de se cortarem avenidas, se fecharem ruas, se barrar a livre circulação no espaço público?
Quem é que lhes dá esse direito?
Dei graças por não ser espanhol em dia de tão desprezível acontecimento, mas depois recordei com mágoa que este país que nos une vai voltar a estar fechado em si próprio, ("violando" assim a mais elementar conquista europeia), recebendo para a futebolada do Verão apenas quem tiver cadastro limpo e boa aparência, (ou seja, não é terrorista nem hooligan).
Eu, por mim, nunca conheci nenhum terrorista, apesar de ter recebido aqui há tempos um mail de propaganda, (com certeza ainda do governo de Aznar), anti-terrorista, em que se perfilavam os bustos, numerados e tudo, de meia dúzia de etarras supostamente responsáveis pelo 11.2, (que muito teria gostado de colocar aqui, para que todos conhecessem as caras daqueles desgraçados, horrorosos, piolhentos, TERRORISTAS, mas ainda não percebi como se faz).
Assusta-me é o facto de o Terrorismo ser, hoje em dia, a desculpa ideal para tudo o que são atentados aos mais elementares direitos e liberdades de cada um, o tal clima de terror iminente instigado pelos USA para sustentar o negócio das guerras e das armas de que falava o mais recente laureado de Cannes, no seu registo anterior "Bowling for Columbine".
Quanto a mim e ao Euro, tudo bem, podem cortar as ruas que quiserem, podem obrigar-me a ver o Figo em todo o lado e podem até cortar as fronteiras para não deixarem entrar nenhum terrorista, porque aqui deixo o meu apelo aos camaradas pedreiros e a quem nos ouve, façamos nós, que já cá estamos dentro, os nossos próprios cartuchinhos de dinamite, (com cabeças de fósforo, como quando éramos miúdos!), e deitemos esta m**da toda pelos ares, já chega de ter o país certinho, sempre direitinho e engravatadinho a dizer que sim a tudo quanto nos impingem! Vá! fechem as fronteiras, devolvam-nos os contos de réis e desistam da Europa, já chega de aventuras e de mentiras! Mas antes disso, porque quem rouba assim não é gago, devolvam aos "operários" do CEF tudo o que lhes devem! Cambada de covardes! FILHOS DA PUTA !

PS.(Será que vamos ser banidos da Blogosfera?)

terça-feira, maio 25

A construção do interesse mediático

O insuportável tratamento dado pelas televisões nacionais (e não só) ao "casamento real" espanhol, tanto no acto em si como antes e depois dele, foi um exemplo perfeito, apesar de patético, de como é mistificado o habitual argumento desresponsabilizante das televisões generalistas: "apenas damos ao público aquilo que ele quer ver". É que este desmesurado interesse por um casamento pouco real só foi possível depois de sermos durante semanas a fio bombardeados com overdoses de promoção de um espectáculo mediático (mal) disfarçado de legitimo interesse jornalístico.

sábado, maio 22

Uma frase de Paul Valéry

A política é a arte de impedir as pessoas de meterem o nariz naquilo que lhes diz respeito

Cinema gardunha vs Moagem do Fundão em breve aqui no granito

sexta-feira, maio 21

O Torquemada da ANACONDA

Camarada da Célula de Alcongosta da Pedreira. Gostava de saber porque é que desapareceu o postas que linkava à notícia do Expresso sobre o filho da puta que quer acabar com os blogues, porque são um meio de difamação. Se puderes volta a colocá-lo, para eu poder difamar esse senhor e essa associação de malfeitores, regiamente paga que se chama ANACOM (ANACONDA para os amigos)

Portugal

Portugal I - O Benfica não é campeão
Olá a todos, aos do novo e do velho granito, sem distinção.
Sendo que sou caneta dormente deste nosso prosatório, como dormentes são as nossas realidades por razões que não interessa (para já) discutir, reservo-me o direito de possuir à época um belo saco cheio de coisas para dizer, diria até a transbordar, se não estivesse já habituado à elasticidade dos plásticos modernos que aguentam sempre mais um ou dois alqueires antes de se desmancharem suavemente e começarem a verter o conteúdo pela calçada a fora.
Camaradas pedreiros das pedradas, depois de toda a comédia a que tivemos o prazer de assistir de camarote, este ano, por alturas das comemorações da “agitação” de Abril, e sem um mês volvido sobre o mistério da letra desaparecida já nada se fala do assunto e tudo parece mais uma vez remetido para os confins do passado.
Sentindo-se já o gostinho da ressaca na boca, percebe-se que nada seria mais previsível, quando a letra perdida foi apenas e tão só Reciclada, Reocupando o velho lugar no Retrocesso, a que de facto assistimos de camarote, da sociedade portuguesa em relação ao que gostamos de chamar de conquistas de Abril.
Uma dessas conquistas, provavelmente a mais central na polémica das letras, foi supostamente a liberdade de expressão. Esquecendo facilmente que a manipulação faz apanágio nas sociedades actuais, fácil é também esquecer que todas as liberdades estão à partida conformadas por outro tipo de interesses, infelizmente muito distantes da cada vez mais mergulhada no esquecimento palavra.
A manipulação provoca a alienação, e que melhor forma de conformar liberdades impunemente que a total alienação da sociedade, constantemente afogada em lodo e diamantes de si própria. Se não está o Cruz está o Laureus, se não está o Silvino está o Rock e tudo sempre bem misturadinho com o bendito futebol.

Portugal II - O Porto não ganhou tudo

Depois temos o azar de ter um país pequenino, tão pequenino. Tão pequenino que começo a duvidar que exista um recanto onde seja possível alguém esconder-se e poder dizer: não quero ouvir mais nada sobre futebol. Pronto. Estou farto. Farto. Já não aguento mais ver a tromba do Figo nos rótulos de congelados da secção de frios do supermercado, já não consigo olhar para a bandeira nacional sem experimentar uma sensação de náusea só agravada pelas cores primárias dos equipamentos foleiros das equipas nacionais. Um cantinho onde possa estar sossegadinho, não me importa se sozinho, onde não precise de assistir à morte de um homem em directo 9 vezes por dia durante uma semana, ou ao funeral do outro depois da festa de arromba avenida abaixo, avenida acima, avenida abaixo, avenida acima, ou então à fúria sandinista dos “Qualquer coisa boys” bairro alto abaixo, bairro alto acima, e das enxurradas de nórdicos de chanatos e de calções, e com aqueles estúpidos chapéus às cores com guizos pendurados que tocam com prazer se alguém lhes oferecer um amendoim para acamar os litros de cerveja que os taberneiros lhes vendem para depois aparecerem na televisão a dizer que sim senhor, isto do europeu é que foi bom para o negócio! Ainda bem que ontem vendi mais 30 cervejas do que é habitual, porque a minha mulher foi hoje despedida ao fim de 30 anos de serviço na empresa onde trabalhava e como já não tem idade para ir trabalhar para outro sítio, olhe, acho que pegamos no lucro da cerveja, compramos umas roupitas novas e vamos ali para ao pé do rio a ver os Laureus passar. Ainda aparecemos na televisão e tudo! Ai era tão lindo!

Portugal III - (O Sporting não ganhou nada)

Pensando bem, a estratégia de colocação dos estádios por parte do governo nem foi de todo despropositada, bem encostadinhos ao litoral, lá deixou as pessoas do interior descansadas quando já se convocavam os santinhos e os chifrudinhos para que ninguém se lembrasse de encaminhar uma qualquer maré de fanáticos munidos das respectivas cornetas e tarolas e dos chapéus com guizos para a nossa, tão imaculadamente isolada, terrinha.
Infelizmente, numa total falta de respeito pelos interesses do interior, outros houve que foram menos espertos e abriram as perninhas ao negócio da moda, munindo-se de infra-estruturas de que 99% da população nunca poderá usufruir para seu proveito próprio mas que sem dúvida servirão para encher meia dúzia de bolsos mais afortunados.
A nós, fundanenses, cabe-nos louvar o isolamento a que os nossos autarcas, corajosamente, diga-se, nos relegam, e a auto-estrada que, a distância segura, levará as buzinas dos arruaceiros do futebol para longe dos nossos lares e das nossas tabernas que, munidas de duas ou mais televisões, começam a fazer as delícias da clientela, que poderá assim assistir em simultâneo ao desastre (ou não) da selecção nacional, ou a uma qualquer detenção de um dos patriarcas do Norte, ou a mais episódios da infeliz novela “Todos na Pia”, ou até mesmo à cobertura mediaticamente paga por todos nós de um qualquer casório pacóvio de uma jornalista estrangeira.


Portugal IV - próximos episódios

- Luís Figo é um clone
- Mourinho foi punk na adolescência

Aviso

Antes de dizer ao que venho, cumpre-me informar que foi relativamente simples penetrar no site através de uma password não usada de um dos vossos ditos “pedreiros”, por sinal, adormecido, e também que este texto está neste momento dentro de uma série de envelopes em lugar seguro, dirigidos a diversos outros sites da blogosfera e aos principais órgãos de comunicação nacionais, como o jornal “O Diabo”, para onde será enviado, caso seja alvo por parte deste “team” de algum tipo de sonegação ou censura, incluindo o corte ou alteração de alguma palavra ou ideia. Este texto será também colocado através de um servidor público, pelo que será uma perda de tempo a tentativa de bloqueio de ip ou a infecção deliberada com um vírus informático.
Como já devem ter percebido, meteram-se com a pessoa errada. A censura e sonegação de comentários na blogosfera é um crime punido por lei. No entanto, muitas vezes, as pessoas encontram-se numa posição de desconhecimento de lei, o que poderia valer a vosso favor se, no entanto, o desconhecimento de lei não pudesse ser considerado objecto abonatório para o incumpridor, até porque não é esse o caso. Também o facto de haver com certeza utilizadores que nada têm a ver com o assunto de nada lhes valerá, pelo que se poderão preparar para algumas surpresas nos vossos terminais caseiros durante os próximos dias.
1 grande abraço a todos e boa sorte!

quinta-feira, maio 20

Aviso a scolari !

Começou hoje a derradeira concentração para o euro 2004, 12 dos escolhidos já estão no hotel, longe da família, das mulheres, das namoradas...é a altura do tudo ou do nada para esta selecção. Mas as longas concentrações nos locais de estágio trazem os seus inconvenientes... como bem observou José Vilhena, num texto em que se percebe todo o seu talento de humorista e escritor. Leiam-no

“Quando entro em campo, com tusa de dois dias, nem consigo ver a bola”

Agora já não tanto, mas houve uma altura em alguns treinadores e seleccionadores decretavam dois ou três dias de abstinência sexual aos jogadores, antes de entrarem em prova, para que respondessem satisfatoriamente ao esforço que lhes era exigido.

Hoje, com base em electrocardiogramas e complexos testes que vão dos reflexos à condição físi­ca e à capacidade de concentração, sabe-se que, pelo contrário, uma excessiva abstinência sexual pode, essa sim, provocar alterações biopsicológicas que prejudi­cam o rendimento do atleta.

Há anos, um jogador português, suspenso pelo seu treinador sob a acusação de, na noite anterior ao importante encontro, ter dormido com a amante, declarou abertamente aos jornalistas: «Quando entro em campo com tusa de dois dias nem consigo ver a bola, quanto mais acertar-lhe!»

A partir de então, os treinadores já deixam os rapazes esva­ziar os testículos, regularmente, para que, assim, vejam e acertem melhor na bola.

Cremos que essa antiga ideia de os treinadores serem contra as fornicações dos jogadores, antes dos desafios, era pura inveja, pois sendo os futebolistas pagos principescamente, podem dar-se ao luxo de ter boas mulheres e amantes, o que, certamente, incomodava esses treinadores.

E com razão, porra!, porque, embora não tenhamos nada a ver com o assunto, até a nós incomoda!.

José Vilhena


terça-feira, maio 18

Porquê esta medalha?

Dois anos e meio depois do PSD ter conquistdo a Câmara Municipal Fundão, ninguém imaginava, á dois anos, que tais palhaçadas voltassem a acontecer no Fundão. Estranha tendência masoquista esta, de uma cidade que a leva a comprazer-se em fartar gulosos, reverenciar políticos demagógicos e a pôr-se de cócoras perante quem o rouba e se esforça para manter os seus cidadãos na mais abjecta ignorância e imbecilidade.
Vem isto a propósito, da descabida atribuição (mais uma!)da medalha de oiro do concelho, ao advogado Proença de Carvalho, que é mais um exemplo do mórbido desejo deste executivo de nos humilhar, pagando nós, ainda por cima!
Homenageia a câmara um manholas que nada dará em troca... Para quê? Não valorizamos quem merece, somos assim, não há nada a fazer.

Ps- Até o vereador Paulo Fernandes, por quem temos grande consideração, lá vai estar a prestar vassalagem. Ao que um homem se sujeita para ganhar votos!

sábado, maio 15


Os planos do não-dito

conversa com Pedro Costa






“Das nossas mãos que restará fazer?

Quem há-de lembrara cadeira a porta a árvore?

Pousando o tempo sobre o nosso sangue
pousando o sangue sobre o nosso corpo
das nossas mãos que restará fazer?”

João Miguel Fernandes Jorge




Entrevista de: Ricardo Paulouro


Tendo frequentado o curso de História da Universidade Clássica de Lisboa, Pedro Costa optou em 1980 por ser cineasta. Estreou-se na longa-metragem com O Sangue (1980) e o seu talento para o cinema foi-se afirmando com Casa de Lava (1994), Ossos (1997) ou No Quarto de Vanda (2000). Nos seus filmes, a geometria das imagens é fortemente marcada pela presença da rua, da casa, das pessoas. Talvez porque se pensarmos o cinema para além de uma sucessão de imagens, apercebemo-nos da sua capacidade de organizar e ordenar o tempo, de fragmentar e reconstruir o espaço. E se falamos de tempo e espaço é talvez porque ambos participam, porque se tornam inteligíveis, na dinâmica da narrativa. Numa sociedade onde a imagem é já um estigma para a memória, através dos seus filmes, Pedro Costa reforça a dimensão de enigma do cinema, algo que não se pretende nem identificar, nem resolver. Apenas anunciar como um desafio a quem o partilha face ao grande ecrã. Ao contrário do que se poderia pensar, o realismo dos acontecimentos dos seus filmes não pretende induzir o espectador como testemunha. Pretende sim fazê-lo mediador do silêncio intersticial do acontecimento visual que é o filme. Talvez porque o filme deve sempre ser protegido de um fim que nunca pode nem deve ser encontrado.


- Quando é que se sentiu atraído pela estética do cinema?
- O que me interessou desde início não era a estética. Interessou-me sim passar a estética a outra coisa. No entanto, respeito tanto um fotógrafo como um pintor, ou um músico. O cinema para mim não tem, melhor, não deve ter uma componente narcísica que incida sobre o realizador. Talvez eu tenha sido atraído pelo cinema justamente por isso.

- Existe, no entanto, uma componente narrativa muito evidente nos seus trabalhos…
- Acredito realmente numa espécie de narração, isto é, que as coisas podem ser contadas, construídas, reconstruídas e destruídas. Digamos que é um tipo de silêncio que tenta resistir a esta espécie de cinema que se consome. É muito assustador ver pessoas que só conseguem comunicar porque passam meia hora a falar apenas sobre um filme. É claro que tem um lado positivo, mas almoços e jantares a pretexto do que se faz em cinema não é certamente o melhor caminho a seguir. Em suma, não gosto das máquinas, da forma como a sociedade está organizada em função do consumo. Tudo está demasiado acessível. E o cinema não pode ser assim tão acessível e comunicar assim tão facilmente porque essa distância que o cinema deve criar é que incute a dúvida, a vontade de voltar.

- É essa distância que tenta cultivar nos seus filmes?
- Talvez. Um filme é um filme e um espectador é uma pessoa que o vê. Essa pessoa não pode projectar-se no filme. O que eu acho que se passa actualmente é que a maioria das pessoas projecta as suas histórias pessoais no filme que vê. O movimento é assim inverso entre o ecrã e a comunicação que se estabelece com o ecrã. Quando este equilíbrio não é sereno e silencioso esta comunicação não resulta. Mesmo porque o cinema não é diferente de uma pintura ou de uma música. E raras vezes uma pessoa se projecta numa música de Bach ou de Beethoven.

- Talvez o cinema nos seja tão próximo porque é feito de imagens…
- Sem dúvida. O cinema é quase como um fantasma na medida em que é feito de imagens e qualquer pessoa é feita de imagens, de sonhos, de projectos. Actualmente as pessoas substituem as imagens que vêem no cinema pelos seus próprios desejos. Talvez porque o cinema sempre tenha servido para substituir um grande falhanço humano.

- Sente que o cinema está a ser subvertido pelo capitalismo que progressivamente toma conta da sociedade?
- Uma imagem hoje em dia é como um euro, uma moeda de troca utilizada em função dos sentimentos do espectador. Mas uma palavra de um poema, uma imagem, uma música não podem ser nunca uma moeda de troca. É quase como dizer que o dinheiro é bom. O dinheiro não é bom. É o princípio do mal de todas as coisas. Para mim o único mal é que eu acreditei que o cinema é uma coisa interessante de se fazer mas que tem necessariamente de lutar contra o capitalismo.

- Os seus filmes nascem geralmente de ideias pré-concebidas, fruto de uma reflexão apurada, ou de sensações, encontros, lugares e memórias?
- Eu acho que o processo criativo tem de ser mais puxado para o lado real sem o deixar cair no lado mais romântico. No meu caso, um trabalho só se põe em marcha quando começo a trabalhar em campo. Nunca tive uma ideia para fazer um filme e espero nunca a vir a ter. O cinema está muito próximo, segundo penso, da música, mas não se pode estar à frente de umas folhas de papel e escrever um guião a partir de uma ideia. No cinema não há uma ideia. Há ramificações de ideias, há todo um enquadramento de pessoas e situações que me fazem depois, eventualmente, ter uma ideia. Talvez aquilo que mais me agrade no cinema é que me obriga a estar na rua e não no quarto a escrever.

- É o teatro da vida o que mais lhe interessa captar?
- Digamos que é o teatro, a poesia, a música da vida, seja o que for. O cinema para mim é uma coisa da rua, que nasceu na rua, para filmar a rua, e que foi progressivamente silenciado e talvez desvirtuado relativamente a essa origem.

- Foi esse silêncio, quase perturbador, que o levou a filmar no Bairro das Fontainhas?
- No Bairro das Fontainhas eu consigo ouvir-me pensar, por exemplo. O cinema para mim tem outro lado também muito positivo – é uma arte que serve para pensar muito. Não tem a faceta de isolamento e solidão como pode ter a pintura, mas tem uma faceta muito humana, quase ‘suja’ se assim o podemos dizer. No cinema é preciso passar por alguma ‘sujidade’, até mesmo pelo kitsch do mundo para conseguir fazer um filme. É claro que quando era mais jovem e comecei a fazer cinema, encarava esta arte como algo puro mas, pouco a pouco, apercebi-me que a dinâmica do cinema se constrói através de forças muito mais primitivas.

- Viver e pensar, ou vice-versa, são os binómios subjacentes à preparação de um novo trabalho?
- Um dos maiores cineastas, para mim, é o Buñuel. Os seus filmes já eram trabalhos gigantescos mas olhemos, por exemplo, para a sua última fase, que é talvez a fase mais mal percebida, como é o caso do Fantasma da Liberdade que é um filme que sempre permanecerá por razões óbvias. Caracterizá-lo como realista ou hiper-realista, o que importa é que é um filme de uma agudeza impressionante. Este exemplo tem muito a ver com a minha resistência a algumas coisas como o pensar que se vou escrever alguma coisa já poderei estar a criar demasiado ruído em determinadas histórias, logo, já me estou a impor uma coisa que não vi ou ouvi. Interessa-me sim escrever depois de viver, de ver e de ouvir as coisas.

- O anonimato é uma questão importante no seu processo de criação?
- O melhor elogio que eu tive a um filme – No Quarto de Vanda – foi dizerem-me que se aproximava muito a uma reportagem. Isto pressupõe obviamente que se vê menos de mim do que, por exemplo, nos Ossos. Não sei se devo falar de um anonimato mas gostaria muito de conseguir uma liberdade desse género.

- A personagem Vanda acaba por representar a condição humana…
- Neste filme há talvez uma espécie de adequação de duas forças, como existia também no cinema mudo. Há tempos alguém dizia uma coisa muito bonita: não sei se já repararam nos surdos-mudos e na sua linguagem gestual. Normalmente estão sempre a rir ou com uma expressão relativamente alegre, quase exuberante. É quase como se fizessem barulho sem na realidade fazerem barulho nenhum. O cinema acabou por ficar mais triste, talvez demasiadamente estético, um pouco de acordo com as exigências da sociedade. O filme No Quarto de Vanda não me parece de todo ser um filme difícil. Tem sim uma forma que é pouco confortável para quem o vê: é longo, mostra uma realidade que quer ser negada. Talvez a grande questão seja mesmo essa – as pessoas já não se dispõem a ler ou a ver as coisas. As pessoas só querem ver o sofrimento de uma certa maneira. O sofrimento sem maquilhagem ou camuflagem assusta demasiado.


- Existe então um vínculo indissociável do cinema ao real...
- O cinema pode ser comparado ao ofício do pedreiro. Não deveria existir qualquer tipo de «talentos artísticos especiais» enquanto requisito para conseguir fazer um filme. Mesmo porque eu nunca vi um pedreiro ou mesmo um padeiro que desistisse de fazer o pão. O cinema é também ele feito de uma sucessão de imagens organizadas em torno do som, de forma a construir um determinado sentido. Não encontrar a pedra seguinte parece-me tão bizarro como um pedreiro não encontrar a pedra seguinte para construir uma casa.

- O cinema mostra o(s) mundo(s)?
- Para mim a obra de um artista é uma economia, no sentido em que se está sobretudo concentrado na visão. Mais que mostrar o mundo, o cinema serve para concentrar o mundo, a visão.

- Sente que o realismo dos seus filmes pode ser associado, por vezes, a um certo olhar pessimista?
- O Buñuel dizia que qualquer filme tentava sempre mostrar, fazer passar ou dizer uma mensagem, mas que este não é o melhor dos mundos. Eu sinto que se me separar de determinadas realidades que eu tenho filmado me separo de 99% da Humanidade.

- Mais do que uma dimensão humana, trata-se, sobretudo, do que é genuinamente real...
- Aquilo que eu encontrei, por exemplo, nos EUA não difere muito do que encontrei nas Fontainhas. Encontrei muitas Vandas, muitas mães de Vandas, iguais e simultaneamente muito diferentes. A Vanda é uma pessoa muito especial, mas as outras Vandas vivem no mesmo planeta. Eu sinto-me privilegiado por fazer um trabalho que me obriga a ter um contacto com a vida, com o real. O António Reis dizia-nos sempre que quando se vai fazer um plano não é a estética que importa. Tem-se sim de arriscar a vida naquele plano, caso contrário não vale a pena. E ‘arriscar a vida’ é realmente pôr tudo em causa, a cada instante.

- Acredita então que o cinema deve viver sobre uma ‘ética de esforço’?
- Estou plenamente convicto disso. Interessa-me que as pessoas saiam do cinema depois de terem visto um filme meu e que levem consigo não necessariamente uma história, mas uma sensação, uma imagem, uma sequência, um objecto. É essa reconstrução da realidade que fica na cabeça de cada espectador que pode elogiar o meu trabalho.



sexta-feira, maio 14

É a educação, estúpidos! (parte II)

Sem comentários

Sud-Expresso

A humidade de Abril e o nevoeiro madrugador que rasteja do Mondego até á universidade sufocam-me. A quente euforia da noite anterior transformou-se mais uma vez em frustração, desespero e solidão.
Não consegui pregar olho! Este sentimento de culpa está prestes a acabar com a pouca auto-estima que me resta. Não consigo livrar-me deste peso de consciencia. Esta pedra que se encaixa no peito e que deixa pouco espaço para respirar. Há uma semana atrás comecei a suspirar mas já nem isso me vale, a consciencia volta a repor com firmeza aquela pedra maldita mesmo no centro do peito. Alguma coisa vai ter de mudar...
A minha decisão estava tomada desde o princípio deste ano mas a esperança de um acontecimento qualquer que pudesse mudar o rumo das coisas fez-me adiar a partida.
Levantei a cabeça da almofada e decidi escrever umas considerações aos amigos... Agora já não havia razões para ficar...

Fatima Theme Park



Ao ver ontem aquelas imagens de pura alienação e histeria colectiva da anual romaria a Fatima, não pude deixar de reparar na presença de várias gruas numa parte vedada do santuário. Diz-se que está em curso a construção de uma nova basilica. Mas a verdade é outra! O que realmente está a acontecer é o nascimento do primeiro Religious Theme Park do Mundo! O projecto está a cargo da Walt Disney Studios em parceria com a Dreamworks. Haverá para todos os fanat...crentes um SPA onde descansarão as pernas e os pés e recuperarão forças para os divertimentos. O divertimento principal será a "Cova da Iria Virtual" onde a malta poderá reviver a aparição recorrendo-se da mais recente tecnologia. Mas haverá outros: a "Montanha Vaticanesa da Jacinta" que terá 13 loopings, com os carrinhos em forma de cabeça de Nossa Senhora; grande atracção será também "As cataratas do Espirito Santo", 1500 m a descer numa boia em forma de nuvem sob pura água benta. Para finalizar o dia e descansar de tanta excitação poderão os portadores de bilhete geral visitar o "Convento Encantado de Lucia", efectuando, de joelhos, uma visita guiada pela propria irmã Lucia e que terá nos jardins um final apoteotico com o espectaculo "Milagre do Solmatrix". Em estudo está ainda o "Santuário de Fátima dos Pequeninos" aguardando-se apenas a conclusão do processo Casa Pia. Obviamente que espalhados pelo Fátima Theme Park, haverá vários padres com fatos de Fatima, Papa e dos três pastorinhos com quem os crentes poderão tirar uma fotografia para mais tarde recordar.

quinta-feira, maio 13

Mão Morta, bem viva



Já há algum tempo que quero deixar aqui no Granito o meu elogio ao novo albúm dos Mão Morta, "Nús". Conceptualmente forte e bem estruturado, musicalmente elaborado, o som e as letras conjugam-se de forma perfeita com todo o poder da intencionalidade da mensagem. É a prova de que os rapazes de Braga gozam ainda de uma garra e veia invejáveis ao fim de tantos anos de existência. E que gozam também de um estatuto e coragem que lhes permitiu lançar este último trabalho em edição de autor: parece que rescindiram o contrato com a antiga editora mas não houve nenhuma outra que quisesse editar o album; "o que se passa neste país?", desabafou Adolfo Luxúria Canibal numa entrevista ao Blitz, sabendo que tinha nas mãos um albúm belíssimo.

(…)Na estranheza em que se transforma então o quotidiano, a memória tende a negar a ausência como uma alucinação redentora, soçobrando o presente, paralisando o respirar. Mas foi também do fundo da memória, primeiro como um ruído imperceptível, depois como uma obsessão implacável, que ressoaram as palavras de Ginsberg - "Vi os melhores espíritos da minha geração destruídos pela loucura, esfomeados histéricos nus..." - trazendo um conforto, um bâlsamo que não julgávamos já possível. E também uma vontade de o cantar (…)
Adolfo Luxúria Canibal

Que a Mão Morta se mantenha bem viva durante muito mais tempo. O panorama musical português agradece!!!

quarta-feira, maio 12

À Antiga!

Aí está! O Futebol Clube do Porto está na final da Liga dos Campeões! Obviamente que está na final porque, por um lado, o Pinto da Costa teima em gastar todos os tostões que arrecadou nas vitorias da prova para comprar as arbitragens, e por outro lado qualquer clube este ano conseguiria chegar à final, uma vez que todos os grandes se apresentaram tão de rastos que tombaram, a prova está em que o adversário do Porto será o Mónaco, "o clube com menos mistica na europa"...Pois é! E o ano passado tambem qualquer clube ganharia a Taça Uefa, o Porto teve só adversários desconhecidos e apenas apanhou uma Lazio desfalcada e de rastos...Há ainda as competições nacionais mas essas é a roubalheira do costume...A verdade é que o Porto está lá, está na final da liga dos campeões. A verdade é que eliminou todos os clubes que lhe apareceram pela frente. Se podiam ser outros mais fortes não foi o Porto que os escolheu e se os defrontou foi porque por sua vez foram melhores que os gigantes...A verdade é que o corrupto Pinto da Costa com todos os defeitos que possa ter, ama o seu clube, ama as vitórias e o sucesso do seu clube, "incute de cima para baixo, a mistica do Porto e a responsabilidade que é mantê-la"(parafraseando Miguel Sousa Tavares). A verdade é que o mister Mourinho é indiscutivelmente o melhor treinador do mundo e faz inchar os peitos dos seus jogadores ao ponto de sentirem as cores das suas camisolas palpitarem. A verdade é que o Porto não ganha porque "rouba à antiga", ganha porque é uma equipa à antiga, uma equipa que representa com orgulho a sua colectividade, que a respeita presenteando-a com o Triunfo.Sem tricas, sem tachos, sem protagonismos...Não representa um País? Não. É um clube de Bairro? É dos portistas, mas não é assim com todos?

A César o que é de César

Revolta-me a maneira como os meus camaradas pedreiros insistem em apedrejar o nosso presidente e o seu executivo! Há-que reconhecer os diversos méritos desta "administração", pois de facto conseguiram já inúmeras proezas, proezas que outros nem em 10 anos de poder realizaram. Senão vejamos: 1.Conseguiram no mesmo espaço físico que é o edificio da camara, aglomerar 3x mais "gente que nada faz" que o anterior executivo, e tudo como umas obritas e umas secretárias nos vãos das escadas; 2.Resolveram o problema da moagem, que se arrastava há decadas, com um simples pano de alguns milhares de euros; 3. Tornaram a nossa cidade mais bela com a plantação da rara "outdoor publicitatis", estranha espécie de vegetação urbana autoctone de Lisboa mas que já se deu para os lados da figueira Foz, conhecidas plantas que para além do efeito estético, provocam nos cidadãos um efeito anestésico; 4. Numa época que nos dizem de crise e contra os ensinamentos da madre superiora Leite, conseguiram em 2 anos e meio endividar o concelho para as próximas 50 gerações. Assim é que é! Que se foda a dívida pública!; 5. Impulsionaram o turismo no concelho, desenvolvendo um novo conceito de hotelaria, a hotelaria virada para a estrada. De facto a ideia é genial! Porquê fazer mais do mesmo? Já há hoteis que chegem em sitios perdidos na natureza, rodeados de verdejantes campos e alvas montanhas...o que a malta precisa é de um bom quarto com vista para a zona industrial ou por baixo da autoestrada, senão a malta não vem para o interior pois se formos para Nova Iorque, Paris ou Londres os melhores quartos são no meio da confusão. Muito bem pensado! Ah!, Há ainda o pormenor que assim temos uma empresa municipal de Turismo...é bom para aliviar espaço na camara...
Bem e "so on and so on". Se não ficaram convencidos ver-me-ei obrigado a continuar com a lista! è preciso ser justo! A César o que é de César!

terça-feira, maio 11

Nomes para quê?

Num gesto pouco democrático, retirei o nome dos pedreiros, até porque alguns nome que ali estavam nunca lascaram no calhau. Não importa, assim o Granito é, como deve ser um blogue sem autor, sem direitos de autor e sem nomes na lombada. O granito é só uma pedreira aberta a todos. Aproveito para dar as boas-vindas ao Fiúza e à Raquel, dois novos camaradas desta pedraria, a Raquel com a particularidade de ser desde já a Presidente da Secção Feminina (é aa primeira mulher na pedreira, espero que outras lhe sigam as pisadas)

Abracinhos e beijinhos

Pré-publicação de inédito de Manuel da Silva Ramos

Manuel da Silva Ramos conta com uma larga experiência na área literária. Com apenas 20 anos ganhou o prémio da novelística Almeida Garrett, com a obra "Os três seios de Novélia" (1969). Publicou várias obras, nomeadamente a trilogia "Tuga" em parceria com o seu amigo Alface.
Dos livros que escreveu destaca-se ainda "Viagem com branco no bolso". Um romance de sucesso sobre duas personagens do imaginário português, o gigante de Moçambique e o anão de Arcozelo, que o autor considera o seu "tijolo literário" devido às suas cerca de 600 páginas.
Depois de "Jesus - The last adventure of Franz Kafka", Manuel Silva Ramos regressou à sua terra natal para escrever talvez o seu melhor romance Café Montalto.




O Silêncio de Monsieur Ramos

À Adrianne





Durante muitos anos no estrangeiro conduzi uma autêntica cruzada contra os barulhos mais diversos produzidos pelos meus vizinhos.
Esta minha preocupação em impor silêncio à minha volta pode hoje parecer uma insensatez a muita gente, e embora me tenha trazido muitos dissabores, é a causa principal do meu regresso à pátria onde actualmente tenho a fama de ser um escritor silenciado.
Mas vamos por partes. Contemos algumas dessas aventuras que não têm nada a ver com a minha situação presente, que por mais paradoxal que pareça, não afectam hoje a minha memória ou o meu poder criativo. Sei que algumas pessoas mais vulgares (das muitas que conta este país) dirão que se voltou «o feitiço contra o feiticeiro» mas eu acho que o futuro da literatura passa por estas cruzadas, estas batalhas, estas lutas, estes élass. Que seria a literatura francesa sem as dívidas de Baudelaire? Qual seria o futuro da literatura inglesa sem a propensão de Malcolm Lowry para o whisky? E qual seria o destino da literatura universal sem a decisão de Kafka de abandonar definitivamente o emprego nas Assicurazione Italiani para se dedicar inteiramente à literatura?
Conto pois aqui algumas das minhas modestas aventuras em França e peço-lhes que não me chamem louco varrido.
Vivia eu com a minha futura mulher em Toulouse, num belo apartamento ao lado do rio Garona, e escrevia eu o meu terceiro livro, quando se produziu um facto extraordinário na minha vida. Pela primeira vez vi que os tectos que não eram falsos se abaulavam, rangiam e perturbavam o avanço da minha escrita.
Imediatamente tomei providências. Fui falar com os vizinhos que habitavam por cima de mim, um casal de estudantes e um amigo, e intimei-os para que fizessem atenção quando andassem e que o melhor era usarem pantufas.
O efeito desta minha intervenção foi nulo. Emperravam os capítulos do meu livro, exasperavam-me com os ruídos da madeira que em certos sítios pareciam as sete trombetas do Apocalipse. Em certos dias ficava horas parado à espera de ver surgir uma perna ou um pé fulgurante na brancura imaculada do tecto.
Resolvi ser feroz com o estudante que passava mais tempo em casa e um dia encurralei-o na escada de cimento do prédio.
Foi o pior que lhe podia fazer. No dia seguinte ele andava ferozmente em cima de mim de um lado para o outro do apartamento. Fazia de propósito.
Não podia escrever. Não tinha forças, nem imaginação.
Para cúmulo da perversidade este estudante-trabalhador inventou um dia um processo que lhe permitia estar sempre em casa: desempregou-se. E começou a receber em casa outros estudantes-trabalhadores que usufruíam como ele de indemnizações chorudas das Agências Nacionais do Emprego. Eram autênticas orgias.
Um dia fui-lhe bater novamente à porta. Ameaçou-me com um pau de baseball.
Tive que mudar de casa.

Aluguei discretamente um outro apartamento não muito longe deste, e também ao lado desse soberbo rio tantas vezes visto por Montaigne.
Agora viva no último andar dum prédio com quatro andares que datava dos princípios dos anos sessenta.
Neste edifício bem arejado e soalheiro ouvia-se tudo. Quando as pessoas faziam amor que era geralmente aos Sábados. Quando davam um peido que era sempre às segundas-feiras depois dum jantar de lentilhas. Quando urinavam com pingos dolentes nas sanitas que tinham trinta anos de idade.
A minha vizinha de baixo era costureira e ama-seca e o marido representante de produtos farmacêuticos.
De manhã quando eu me levantava às sete da manhã para escrever ouvia já a máquina da minha vizinha em movimento. Era um ruído infernal, que eu a princípio pensei ser duma trituradora de crianças.
Como o marido só vinha aos fins de semana a casa, não sei se para fazer amor ou administrar-lhe alguns comprimidos para a insónia crónica, um dia queixei-me a ele.
Foi a pior coisa que podia ter feito. Ciumento por eu ter falado à mulher dele na sua ausência dum assunto que a seus olhos era risível (a única literatura que conhecia este ignorante era a literatura dos produtos farmacêuticos) pegou-me nos colarinhos da camisa e quase que me ia deitando das escadas abaixo.
Salvei a vida graças ao Concorde que nesse dia aterrava em Toulouse.
Tive pois que mudar mais uma vez de apartamento sem ter terminado o meu quarto livro.

Depois desta aventura e de outras mais simples e mais antigas que entram no catálogo nacional dos barulhos mais infernais que podem perturbar um escritor (começando pelas panelas de pressão em movimento e terminando nos gira-discos Telefunken) resolvi procurar a paz e o sossego numa pequena aldeia nos arredores de Toulouse – depois de já ter mudado quinze vezes de casa.
Talvez aqui encontrasse forças para acabar a minha obra mais ambiciosa que era um romance com perto de mil páginas.
Para o meu silêncio que queria perfeito escolhi uma casa a reconstruir e dotei-a das protecções máximas contra os ruídos exteriores.
Porém como não tinha sorte nenhuma com os vizinhos – talvez pelo facto de eu pronunciar mal a palavra “maison”, eu dizia “mais son” – desta vez, hélas, calhou-me o número mais negro da lotaria e tive uma aldeia toda contra mim.
O meu vizinho mais imediato era um velho irascível de nome Durand que fazia pescatos de carpintaria e ainda por cima andava de bem com todo o vinho de Gaillac.
Logo que me viu no meu jardinzeco contíguo ao seu atelier pôs a funcionar a sua raspadeira para dizer que era ainda um homem activo.
Eu franzi o sobrolho e imediatamente concluí que a nossa vizinhança ia terminar mal, tendo apercebido através dos vidros partidos da porta da sua oficina vários tonéis de vinho encostados a um banco com um torno muito brilhante.
O que havia de acontecer, aconteceu.
Plantei vários coníferos e o velho Durand massacrou-me os ramos mais laterais e silenciosos.
Outro dia raspava ele uma porta velha quando eu lhe entrei pela oficina adentro exigindo silêncio.
Silêncio, dizia ele já entornado, e ria. Tinha encontrado na minha pessoa o homem que iria prolongar por mais uns anitos a sua vida.
A partir daí os meus capítulos estavam todos cheios de serradura e alguns mesmo tinham dentes de serra que projectados tinham vindo pelos ares.
O Durand continuava pois de propósito a massacrar-me com o barulho dos seus instrumentos sibilantes quando um dia o encurralei no meio duma passagem de peões e lhe apertei o gasganete. Quase que fomos atropelados os dois por um destravado internacional com um camião carregado de tomates.
No dia seguinte às sete da manhã (hora em que eu me deliciava com os últimos capítulos do meu livro) já o nosso homem estava bêbado e fazia manobrar, não sei com que mãos excessivas, todas as máquinas da sua oficina.
Para não o matar resolvi outra vez mudar de casa. Mas antes ainda experimentei introduzir nos tímpanos os protectores de borracha que usam os mergulhadores submarinos mas isso trouxe-me muitos equívocos e perdas de identidade. Agora era eu que perseguia os meus próprios barulhos… E um dia quase me matei a mim próprio com uma faca da cozinha…

Resolvi pois mudar de casa mas a minha mulher que andava já farta de carregar com a trouxa às costas pediu o divórcio.
Assim regressei ao meu país onde sou um escritor silenciado.
Às vezes quando me debruço sobre o meu passado com os meus raros amigos falo, referindo-me a todas estas expedições minhas contra os meus vizinhos, de Napoleão e a batalha do Marengo, do comandante Henrique Galvão tomando silenciosamente o “Santa Maria” e do silêncio final de Nietzsche.
Eles ficam sérios e mandam vir mais garrafas.


Texto inédito

Abril de 2004

Manuel da Silva Ramos

domingo, maio 9

Afinal o que é a festa?

Eu nem era para começar a escrever revoltas ou indignações, mas antes de ter tempo para escrever receitas, poemas ou outra dessas coisas "muito femininas" com que queria iniciar a minha participação neste blog, aconteceu-me esta. Passo a contar: fui a uma festa numa aldeia aqui no concelho, iniciativa da câmara municipal. Muito boa a ideia de reviver/observar costumes passados, tradições, de se dinamizar as aldeias, blábláblá...Sinceramente, estava muito entusiasmada com todo o acontecimento, apesar de o dia ter amanhecido à chuva - talvez por isso a aldeia estivesse um pouco desanimada. Mas com a chegada da hora do almoço veio a animação, ou não fôssemos nós povo apreciador da hora do convívio regado. As duas tasquinhas para o efeito estavam apinhadas de gentes de grupos juvenis, ranchos folclóricos, visitantes, gente da aldeia, pelo que acabámos por começar a comer de pé, ao balcão, o nosso tradicional e tão saboroso caldo verde. Ora chovia, ora não chovia e durante o almoço estava no ar aquela dúvida: será que o programa das festas vai para a frente? A resposta veio logo de seguida, quando alguém veio chamar a miudagem tocadora de instrumentos de uma aldeia qualquer vizinha para tocar para o xenhor presidente. "Então e os frangos que ainda não vieram?", "Comem depois de actuar.". E foi assim que conseguimos mesa para almoçar e perdemos a actuação. Mas não ficou por aqui, uma vez que a seguir à miudagem foi o rancho folclórico que teve de fazer um intervalo no almoço para ir actuar para o xenhor presidente. E aí não era só miudagem.
Acho muito bem que o xenhor presidente nos presenteie com a sua presença nas festas concelho que representa.
Acho muito mal isso tornar-se mais importante do que a própria festa.

sábado, maio 8

Já cá estou



Pois é, a era dos pedreiros "só gajos" acabou! Vamos lá a florir aqui um bocadinho este calhau!
Aguardem-me...

O politicamente incorrecto

Há uns tempos atrás, quando o Arafat ainda era visto como um duvidoso terrorista na maior parte das capitais ocidentais, era politicamente incorrecto apoiar a causa palestiniana. Apesar de se saber que historicamente tinha havido uma invasão dos "territórios ocupados", a solidariedade organizava-se em torno de discursos do tipo "Israel comunga dos valores de uma democracia ocidentalizada, os palestinianos são bárbaros que se defendem à pedrada e matam civis indefesos quando podem".

Era difícil articular um discurso que fizesse justiça à revolta de um povo que se viu afastado daquela que considerava a sua terra. Para os pró-sionistas era fácil o maniqueismo do bom israelita ocidentalizado/mau palestiniano terrorista, afinal o outro lado quase não tinha legitimidade para se fazer ouvir.

Entretanto, estabelece-se a autoridade palestiniana, legitima-se a nação palestiniana e, apesar da continuação das actividades terroristas, começa a existir espaço para o discurso pró-palestino. E dá-se lentamente a inversão do discurso: hoje é politicamente correcto apoiar a causa palestiniana. O discurso, mais uma vez maniqueísta, articula-se no binómio "palestiniano oprimido/israelita opressor" nesta realidade enevoada da opinião pública e publicada internacional, parecendo fazer esquecer o drama da insegurança das populações civis israelitas.

E é contra essas hegemonias que nos induzem o pensamento que se levanta o nosso adorável pistoleiro louco que dispara em todas as direcções. Com toda a justiça, aliás. Ninguém gosta que dos digam qual deve ser a orientação do nosso pensamento. Felizmente gostamos demasiado da ideia de livre arbítrio, de liberdade para pensar, dizer e fazer (às vezes não por esta ordem) para que nos resignemos a uma qualquer imposição da lógica mediática. Isto apesar de sabermos que é nos jornais, nas rádios, na net e na televisão que temos a informação sobre o que se passa no mundo.

Sabemos que não nos podem, apesar dos discursos hegemónicos, dizer o que pensar mas também sabemos que nos podem dizer sobre o que pensar. Por isso felizmente que existe algum grau de pluralismo, a capacidade de contrastar informação, perspectivas, explicações... contextos. Felizmente que o politicamente correcto evolui (não é uma visão orientada por textos sagrados, nem por livros vermelhos) e às vezes se contradiz e se anula.

Quanto à notícia em concreto, talvez (e é um grande talvez) a razão seja porque o espaço que existia para uma informação vinda de fora tenha sido encurtado pela atenção ao apito dourado, ou porque dentro da mesma categoria "médio oriente" as desventuras iraquianas tenham tomado precedência.

Todas as informações que são construidas e apresentadas como notícia deixam de fora um conjunto de outras. Talvez o requinte de crueldade com que as crianças e a mãe foram assassinadas não tenha despertado a glândula emocional dos editores de internacional, talvez pouco à vontade com a pouca relevância dada aos casos humanos dos palestinianos que viram impotentes os buldozers abater as paredes das suas casas.

Tudo isto são suposições, não falei com nenhum editor de internacional (e tu, já falaste?). Será porque é politicamente correcto dizer mal dos media e politicamente incorrecto escrever ao provedor dos leitores ou aos directores de informação?

sexta-feira, maio 7

Imagens apagadas do terror


Terroristas palestinianos assassinaram quatro crianças israelitas e a sua mãe grávida na estrada que liga a Faixa de Gaza ao colonato de Gush Katif.
Depois de terem espalhado um spray de balas, imobilizando a station wagon onde seguiam as vítimas, os terroristas dirigiram-se às quatro crianças, e mataram-nas uma a uma, com duas balas na cabeça. A mãe foi atingida na barriga quando tentava cobrir com o seu corpo as crianças.
Este ataque foi celebrado numa marcha Jihad que juntou cerca de 2 mil palestinianos na cidade de Gaza. A Jihad Islâmica defendeu que o ataque foi a resposta aos assassinios dos lideres do Hamas, perpetrados pelo Exército israelita. "O objectivo deste ataque foi confirmar a continuação da resistência", explicou Khader Habib, o líder da Jihad islâmica em Gaza.


PS1:Este trágico acontecimento mereceu a primeira página no circunspecto e pouco sionista "Daily Telegraph". Em Portugal foi tratado com honras de rodapé.
Agora tentem lá contextualizar isto...

PS2:E já que estou numa de politicamente incorrecto, atrevo-me a sugerir a leitura do artigo de ontem do Pacheco Pereira no "Público", que versa sobre a ...Economia da indignação


quinta-feira, maio 6

Discurso sobre o filho da Puta

Ao abrir a janela do meu quarto e ver a bagunçada de carros na praça do Munícipio por parte dos boys e vereadores, lembrei-me do poema do poeta Alberto Pimenta que aqui fica como forma de indignação pela situação:

o pequeno filho-da-puta
é sempre
um pequeno filho-da-puta;
mas não há filho-da-puta,
por pequeno que seja,
que não tenha
a sua própria
grandeza,
diz o pequeno filho-da-puta.

no entanto, há
filhos-da-puta
que nascem grandes
e
filhos-da-puta
que nascem pequenos,
diz o pequeno filho-da-puta.

de resto,
os filhos-da-puta
não se medem aos palmos,
diz ainda
o pequeno filho-da-puta.

o pequeno
filho-da-puta
tem uma pequena
visão das coisas
e mostra em
tudo quanto faz
e diz
que é mesmo
o pequeno filho-da-puta.

no entanto,
o pequeno filho-da-puta
tem orgulho em
ser
o pequeno filho-da-puta.

todos
os grandes filhos-da-puta
são reproduções em
ponto grande
do pequeno filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

dentro do
pequeno filho-da-puta
estão em ideia
todos os grandes filhos-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

tudo o que é mau
para o pequeno
é mau
para o grande filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

o pequeno filho-da-puta
foi concebido
pelo pequeno senhor
à sua imagem e
semelhança,
diz o pequeno filho-da-puta.

é o pequeno
filho-da-puta
que dá ao grande
tudo aquilo de que ele
precisa
para ser o grande filho-da-puta,
diz o pequeno filho-da-puta.

de resto,
o pequeno filho-da-puta vê
com bons olhos
o engrandecimento
do grande filho-da-puta:
o pequeno filho-da-puta
o pequeno senhor
Sujeito Serviçal
Simples Sobejo
ou seja, o pequeno filho-da-puta.

Alberto Pimenta-Discurso sobre o filho da puta

Ps- O Fiuza contactou-me para me dizer que tem lido o nosso Blog e que está interessado em escrever regularmente no nosso blog. Por isso peço ao Rui Pelejão que lhe envie um convite para o email-- hahaha@portugalmail.pt

quarta-feira, maio 5

A cruel "Libertação"



Nunca será demais sublinhar o tremendo erro que foi a invasão do Iraque pelas tropas da coligação, numa operação militar de proporções indiscriminadas e baseada na mais gritante das mentiras. A voz também nunca poderá deixar de se fazer ouvir contra a arrogância e o total desrespeito pelas mais básicas leis internacionais (que devem, a todo o custo, tender cada vez mais para a Paz entre as Nações) e desconsideração pelos riscos humanitários de uma intervenção daquela envergadura. Também não é admissível aceitar a leveza com que algumas das principais nações do mundo "civilizado" encararam as previsíveis consequências da guerra sobre o instável (de)equilíbrio no Médio Oriente - não é lícito aceitar a ingenuidade e/ou a prepotência como truques de guerra. Há que lembrar, todos os dias, que sabemos - todos sabemos! - que a principal razão para invadir o Iraque foi económica, pintada a negro como o crude, ou reluzente como todo o metal gasto em bombas e máquinas de matar com precisão. A alegada "democratização do mundo árabe" deixou de ser a bandeira de liberdade com que se queria vingar o 11 de Setembro, para se transformar numa das mais tristes e negras páginas da nossa História. E o corolário de toda esta farsa está cruelmente estampado nestas imagens de maus tratos infligidos a prisioneiros iraquianos, por soldados da mais democrática das nações do mundo: os Estados Unidos da América. Se mais palavras de contestação faltassem, se não mais existissem razões válidas para denunciar e esmagar esta guerra, as imagens falam por si: a democracia falhou, impera a barbárie. Não estava na mente de ninguém libertar o Iraque e celebrar a democracia com o povo iraquiano. Não estava na mente dos governates, nem na do mais raso dos soldados. Todos sabiam que iam invadir e ocupar um país pela mais antiga das razões: a exploração. E se os motivos não são nobres, as acções ainda o são menos. Aqui fica uma cruel, triste, e profundamente assustadora actualização daquilo que poderia ser uma fotografia tirada num campo de prisioneiros da Segunda Guerra Mundial. Que não se calem as vozes!

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