sábado, maio 8

O politicamente incorrecto

Há uns tempos atrás, quando o Arafat ainda era visto como um duvidoso terrorista na maior parte das capitais ocidentais, era politicamente incorrecto apoiar a causa palestiniana. Apesar de se saber que historicamente tinha havido uma invasão dos "territórios ocupados", a solidariedade organizava-se em torno de discursos do tipo "Israel comunga dos valores de uma democracia ocidentalizada, os palestinianos são bárbaros que se defendem à pedrada e matam civis indefesos quando podem".

Era difícil articular um discurso que fizesse justiça à revolta de um povo que se viu afastado daquela que considerava a sua terra. Para os pró-sionistas era fácil o maniqueismo do bom israelita ocidentalizado/mau palestiniano terrorista, afinal o outro lado quase não tinha legitimidade para se fazer ouvir.

Entretanto, estabelece-se a autoridade palestiniana, legitima-se a nação palestiniana e, apesar da continuação das actividades terroristas, começa a existir espaço para o discurso pró-palestino. E dá-se lentamente a inversão do discurso: hoje é politicamente correcto apoiar a causa palestiniana. O discurso, mais uma vez maniqueísta, articula-se no binómio "palestiniano oprimido/israelita opressor" nesta realidade enevoada da opinião pública e publicada internacional, parecendo fazer esquecer o drama da insegurança das populações civis israelitas.

E é contra essas hegemonias que nos induzem o pensamento que se levanta o nosso adorável pistoleiro louco que dispara em todas as direcções. Com toda a justiça, aliás. Ninguém gosta que dos digam qual deve ser a orientação do nosso pensamento. Felizmente gostamos demasiado da ideia de livre arbítrio, de liberdade para pensar, dizer e fazer (às vezes não por esta ordem) para que nos resignemos a uma qualquer imposição da lógica mediática. Isto apesar de sabermos que é nos jornais, nas rádios, na net e na televisão que temos a informação sobre o que se passa no mundo.

Sabemos que não nos podem, apesar dos discursos hegemónicos, dizer o que pensar mas também sabemos que nos podem dizer sobre o que pensar. Por isso felizmente que existe algum grau de pluralismo, a capacidade de contrastar informação, perspectivas, explicações... contextos. Felizmente que o politicamente correcto evolui (não é uma visão orientada por textos sagrados, nem por livros vermelhos) e às vezes se contradiz e se anula.

Quanto à notícia em concreto, talvez (e é um grande talvez) a razão seja porque o espaço que existia para uma informação vinda de fora tenha sido encurtado pela atenção ao apito dourado, ou porque dentro da mesma categoria "médio oriente" as desventuras iraquianas tenham tomado precedência.

Todas as informações que são construidas e apresentadas como notícia deixam de fora um conjunto de outras. Talvez o requinte de crueldade com que as crianças e a mãe foram assassinadas não tenha despertado a glândula emocional dos editores de internacional, talvez pouco à vontade com a pouca relevância dada aos casos humanos dos palestinianos que viram impotentes os buldozers abater as paredes das suas casas.

Tudo isto são suposições, não falei com nenhum editor de internacional (e tu, já falaste?). Será porque é politicamente correcto dizer mal dos media e politicamente incorrecto escrever ao provedor dos leitores ou aos directores de informação?

Comments: Enviar um comentário



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?