segunda-feira, março 29

É a educação, estúpidos!

um povo que no pensamento põe bem menos que no sentimento
é um povo que existe e subsiste sobre o facto de ser triste

in A Margem da Alegria, de Ruy Belo

eu sei lá dizer portugal em sílabas ou em números quanto mais defini-lo mordendo a língua enrolada sobre a inteligência aleatória nobre história martirizada por sucessivos insucessos escolares e avulsas vociferações políticas hipócritas sanguessugas mentirosas fraques bolorentos até às costuras da existência avé maria cheia de desgraça que a igreja também é para aqui chamada à pedra ou à pedrada com bocados soltos de ardósia crivados por autos-de-fé e culpas expiadas aos pobres de espírito que hoje choram a falta de qualificação eu sei lá dizer portugal sem cerrar os punhos vazios de giz e de gente que saiba soletrar portugal oh bocas orgulhosas do nacional porreirismo à deriva nas estatísticas europeias sobre educação ai que lá vem mais uma zombar do cú do continente que nem a merda sabe definir sem um olhar copista ou um encolher de ombros assobiando dobrando a esquina à cata do desenrascanço rasca raspa as sobras da gamela da educação espreme da cartola uma qualquer percentagem que saiba a tabuada interprete um paragrafozito sem cábula cabulões e marrões porra para todos eles sem sonho debaixo do braço que valha a interpretação do destino à deriva o fado e tudo de negro até coimbra submerge na indecência da inteligência antes que a vida se encarregue da justiça de nos afundar no atlântico oceano eu sei lá dizer portugal sem educação prontos pá marca lá a merda do golo e engole a cerveja de uma golfada arrota a raiz quadrada do círculo vicioso estuda-e-vota-mas-nunca-acredites na virtude de saber aprender ensinar eu sei lá dizer portugal dez milhões de vezes portugueses sentados nas aulas escolásticas de suas excelências sebentas eminências pardas meretrizes do sistema lapas do funcionalismo público topo de carreira e reforma magra para mandar acender velas pelos que foram ficando para trás atrás de tudo e de todos somos os mais e os menos sem que nunca se saiba o que somos talvez má rês ou só mal educados

terça-feira, março 16

Mãos ao alto !

Li no "24 Horas" que uns meliantes tentaram assaltar um banco à pedrada. Gabe-se o modus operandi arcaico, mas consentâneo com os princípios militantes desta confraria da pedreira. Proponho a sua adesão imediata ao Granito, como heróis da lapidação da alta finança !

Conciliábulo apaziguador da esquerda


Velasquez, Los Borrachos ou a festa de Baco, Museu do Prado (Madrid)

Felizmente para o Mundo, a esquerda unida mundial, liderada pelo beatífico Dr. Carrilho tem uma solução global e derradeira para o flagelo do terrorismo. A coligação de boa-vontade liderada pelo Dr. Carrilho assinou hoje um documento com as linhas norteadoras da Nova Coligação Ocidental, chamada Paz e Boa Vontade, com o alto-patrocínio ecuménico de Sua Santidade o Papa.
O documento, assinado entre outros por, John Kerry, presidente dos EUA, Romano Prodi, primeiro-ministro de Itália, Ferro Rodrigues, primeiro-ministro de Portugal, Schroeder – chanceler da Alemanha, Dominique de Villiers, presidente de França e José Luís Zapatero – primeiro-ministro de Espanha, visa prosseguir a paz mundial e teve como grande ideólogo e impulsionador o genial filósofo político, Manuel Maria Carrilho, apontado como futuro Presidente da União Europeia.
Para a erradicação do terrorismo no mundo os signatários do documento propõem as seguintes medidas, fortemente inspiradas nos novos ventos de esquerda que sopram nas galerias do poder secular.

1º Retirada imediata e incondicional das tropas israelitas de todos os territórios árabes ocupados, voltando a definição territorial israelita ao formato anterior à Guerra dos 6 Dias. Imediata desocupação dos colonatos judaicos, redistribuídos pela Terra Prometida e pelas comunidades judaicas espalhadas pelo mundo. Acresce, a desmilitarização do Estado de Israel, cuja segurança passa a ser assegurada pelo novo Exército Democrático de Intervenção Rápida das Nações Unidas.

2º Retirada imediata e incondicional de todos os militares e empresas de exploração capitalista instalados no Mundo árabe, desmantelamento das bases militares americanas, e incremento substancial da ajuda ao desenvolvimento económico dos países árabes, através do novo Banco do Fomento da Paz Mundial, com programas com contrato-objectivo e reforço do apoio a países que prossigam reformas democráticas como o Irão, a Síria, a Líbia, o Iraque, a Arábia Saudita e a Jordânia.

3º Renegociação dos contratos de exploração petrolífera, devolvendo os direitos concessionários aos países árabes, sem indemnizações para as empresas capitalistas que exploram a riqueza alheia. O fornecimento de petróleo ao Ocidente passa a ser feito num contrato-programa entre a democrática e muito nobre OPEP e as Nações Unidas. Os países ocidentais comprometem-se a partilhar tecnologia, incluindo militar, num gesto de boa vontade para garantir equilíbrio bélico entre o ocidente e o mundo árabe.

4º Respeito pela cultura e integridade religiosa do mundo muçulmano e da soberania de todos os países árabes, incluindo a auto-regulação do direito internacional no Mundo Árabe. Os signatários do documento comprometem-se à não interferência em conflitos entre países muçulmanos, conflitos estes cuja resolução passa exclusivamente pela Liga Árabe, ou por outra entidade supra-nacional que os países árabes decidirem criar e que a Comunidade Internacional aceitará de bom grado como interlocutor.

5º O respeito integral da cultura muçulmana é extensível às comunidades árabes nos países ocidentais, que passarão imediatamente a usufruir do estatuto de dupla-nacionalidade e cujos países de origem passarão a merecer estatuto prioritário nas quotas aplicadas aos contigentes imigratórios. Os países signatários comprometem-se a respeitar e a promover a cultura e religião árabe, incluindo um novo clausulado no seu ordenamento jurídico que permita aceitar essa diferença, incluindo o direito à lapidação por adultério, o direito à poligamia, e criando um estatuto de excepção para as mulheres árabes com dupla-nacionalidade, que respeite as tradições muçulmanas no que concerne à condição feminina. Obviamente, que os símbolos religiosos e todas as manifestações culturais e religiosas dos muçulmanos passarão a gozar de liberdade total.


6º Num gesto de paz e boa-vontade, os signatários do presente documento estão disponíveis para assinar um armistício com todas as organizações terroristas árabes, comprometendo-se as mesmas ao desmantelamento e à entrega das armas. A Comunidade Internacional compromete-se, por seu turno, a não responsabilizar criminalmente os membros dos movimentos terroristas pelos seus actos durante a “Guerra contra o Terrorismo”, irresponsavelmente levada a cabo pelos anteriores senhores da Guerra, que aliás já foram indiciados para comparecer no Tribunal Penal Internacional, pelos seus crimes contra a humanidade.


Com estes seis mandamentos o mundo poderá finalmente respirar paz ... Amén !



PS: Alguém acredita que mesmo que este idílico e ficcional documento de apaziguamento fosse verdade, isso iria extinguir os focos de fundamentalismo e terrorismo árabe?

A Espanha e a tentação isolacionista


Velasquez, a rendição de Breda, Museu do Prado (Madrid)


Honrando um compromisso eleitoral, José Luís Zapatero anunciou que vai retirar as tropas espanholas do Iraque.
Eu repito, honrando um compromisso eleitoral, uma promessa feita aos milhões de eleitores que votaram no PSOE. Zapatero parece acreditar que foi a presença militar espanhola no Iraque que caucionou os brutais atentados de La Tocha, e que foi essa presença militar e o envolvimento na coligação liderada pelos EUA que lhe permitiu vencer as eleições espanholas, contra todas as expectativas.
Era, portanto natural que Zapatero honrasse esse compromisso e se prepare para retirar da coligação internacional que sustentou a intervenção no Iraque e mande os soldados espanhóis para casa. O único problema desta legítima decisão é que ele pode ser confundida como uma cedência aos métodos bárbaros e assassinos da Al-Qaeda.
O dilema parece óbvio. Por um lado Zapatero e o PSOE sempre se mostraram contra a guerra e seria incoerente alterarem essa posição de fundo em virtude dos acontecimentos do 11 de Março. Por outro lado, o 11 de Março veio dar uma nova dimensão ao terrorismo árabe, que numa relação bipolar de causa e efeito, não é indissociável da Guerra do Iraque. Por isso, a decisão de abandonar o Iraque devia ser tomada com um pouco mais de prudência, analisando bem as consequências dessa medida. Zapatero parece um homem sereno e equilibrado e acredito que até à data anunciada para a retirada das tropas espanholas – dia 30 de Junho – a sua perspectiva sobre a intervenção no Iraque vá evoluir, sem com isso trair o compromisso eleitoral que, alegadamente lhe deu a vitória.
É que convém recordar que sendo a maioria do povo espanhol contra a participação do seu país na Guerra do Iraque, isso não era até à uma semana atrás motivo para retirar a confiança ao Governo PP, que caminhava para uma serena reeleição, apesar do Iraque e do Prestige, os dois episódios que mais abalroaram a popularidade dos populares.
Ou seja, Zapatero vai ter de encontrar até Junho uma forma de, simultaneamente, honrar os seus compromissos eleitorais e honrar os compromissos e deveres internacionais de um país que não se extinguem na mera alternância político-partidária interna.
A continuidade e a estabilidade são elementos fundamentais para a política externa e para as garantias de solidariedade duradoura e os laços que se estabelecem nas relações internacionais. Não são, é certo, elementos de política externa que devem subordinar a soberania política dos povos, mas Zapatero sabe, tão bem como todos os outros políticos responsáveis do PSOE, que a Espanha ocupa hoje um lugar determinante no plano internacional, e que não pode remeter-se subitamente a um casulo isolacionista, por mais fortes que sejam as pressões de “la calle” e as histerias populistas.
A Espanha não pode demitir-se do seu papel no Mundo, e como tal, não pode simplesmente abandonar o Iraque à sua sorte. Caso o fizesse, Zapatero estaria a subscrever uma terrível guerra civil e uma escalada da violência no Médio Oriente, e aí sim, a ceder aos genocidas desígnios da internacional terrorista.
O que Zapatero sabe, e quero crer que vai fazer, é reorientar a participação espanhola na reconstrução democrática do Iraque, que passará a ser feita no quadro das Nações Unidas e do Direito Internacional, e não à sua revelia.
Acredito que Zapatero tenha o bom senso de não hostilizar os EUA e, carregado de uma certa autoridade moral que o voto dos espanhóis massacrados pelo terrorismo lhe dá, possa ser uma personagem fulcral na definição de uma nova política, e de uma nova visão global sobre o problema do terrorismo e do médio-oriente, que neste momento encontra condições históricas para reunir um largo consenso internacional, o mesmo que não houve quando a coligação decidiu invadir o Iraque.
A eleição de Zapatero pode marca um ponto de viragem positivo para o problema iraquiano, enfraquecendo coligação e fortalecendo o papel das Nações Unidas, e consequentemente da União Europeia. Quero acreditar que as tropas espanholas vão continuar no Iraque, não como força de "ocupação", mas com capacetes azuis, para ajudar à construção da sua democracia.
Abandonar pura e simplesmente o Iraque seria um crime que Zapatero, mais do que ninguém, não pode cometer.

A “fúria” espanhola também é democracia


Velasquez, Casaco sangrento de José entregue a Jacob, Mosteiro de San Lorenzo de Escorial (Madrid)

A vitória do PSOE e de Zapatero nas eleições espanholas do passado domingo representa, segundo a generalidade dos analistas, a primeira derrota democrática de Georges W Bush e da coligação internacional que meteu a pata na “poça de petróleo” iraquiano. Esta é a visão de uma certa esquerda destrambelhada e irresponsável na sua cegueira ideológica que lhe tolhe uma mundivisão que, mais do que nunca, se pretendia clara e bactereologicamente pura.
Ao admitir que o resultado das eleições espanholas é uma derrota democrática das opções, obviamente discutíveis, da política externa espanhola, estes diletantes pensadores estão implicitamente a admitir que o terrorismo da Al-Qaeda teve a sua primeira vitória democrática, graças ao mais sangrento “golpe de campanha eleitoral” de que há memória.
É por isso que a exultação e o rejubilar da esquerda visível e tradicional, com a vitória de Zapatero é bastante mais do que uma manifestação de camaradagem e de afinidade ideológica com um partido de esquerda.
A esquerda rejubila com a derrota de Bush, colocando-o ironicamente na frente da luta contra o terrorismo global. Mas, afinal a Guerra no Iraque tem ou não tem a haver com o terrorismo ? Era bom que se decidissem sobre essa matéria, ao invés de assinarem artigos de Loja de Conveniência.
Em condições normais, eu próprio saudaria e exultaria com a vitória de Zapatero e do PSOE, contra um PP austero, autoritário e ferozmente neo-liberal, que custeou o “milagre económico” espanhol com o crendice e a inescrepulosa aplicação do receituário do capitalismo selvagem.
Acontece que as eleições espanholas não decorreram em condições normais, o “volte-face” eleitoral, contra todas as sondagens tem duas leituras possíveis e nenhuma delas se inscreve na lógica de saudável alternância democrática.
A primeira, e a preferida pelos “analistas” de esquerda, é que o povo espanhol puniu Aznar e o PP pelo envolvimento no conflito iraquiano atribuindo-lhes uma sinistra “co-autoria” moral dos atentados em La Tocha. A segunda leitura, “dilecta” dos analistas e comentadores encostados mais à faixa da direita, explica a “hecatombe” eleitoral do PP, com a inábil gestão da informação nos dias seguintes ao 11 de Março, quando hipocritamente o PP tentou imputar à ETA a autoria dos atentados, ocultando informações que conduziam à pista árabe.
Pessoalmente acredito que para a reviravolta eleitoral contribuíram e pesaram ambos os factores, acrescido de um terceiro que tem sido ignorado.
O atentado gerou uma onda emocional avassaladora e que se traduziu na mais baixa abstenção desde 1982. Ou seja, o atentado despertou um eleitorado “adormecido” colocado normalmente ao centro e que com o clima emocional e de intervenção de “la calle” (a manifestação em frente à sede do PP é absolutamente execrável nos fins e nos meios), pendeu para um voto de repugnância e ruptura.
Todos sabemos que em períodos eleitorais os “climas” emocionais favorecem a esquerda, e os “climas” racionais favorecem a direita.
Foi esse despertar doloroso do “centrão”, que em última análise, ditou a vitória eleitoral socialista, mas a imagem que perpassa e que serve os ignóbeis interesses da Al-Qaeda é que Espanha se “acobardou”, quando o terror lhe bateu à porta e não lá longe na América ou em Bagdad.
Essa é de resto, a análise pronta a vestir dos perigosos patetas a soldo, como Luís Delgado e outros idiotas da direitinha sem coluna vertebral para poder emitir juízos de valor sobre a coragem ou cobardia de um povo habituado a conviver com bombas na rua e com a eminência de tiros na nuca, enquanto estes sacripantas se deleitam com almoçaradas conspirativas nos Pab´s e nos cargos opulentos que o seu carácter postibular lhes vai granjeando.
Luís Delgado e essa camarilha de filhos da puta não têm autoridade moral para falar de medo e cobardia, refastelados no remanso dos seus gabinetes e nos estúdios televisivos.
De todos os povos da Europa, o espanhol é talvez o que menos medo tem do terrorismo, amargamente habituado a conviver com ele durante três décadas. Por isso, a massiva afluência às urnas Domingo representa tão só um gesto colectivo de coragem e de revolta, expressa talvez de uma forma excessivamente emocional, mas que dificilmente pode ser apodada de cobarde ou amedrontada.
Em síntese, e por mais conveniente que seja para os rebanhos ordeiros da política à portuguesa – à esquerda e à direita - dificilmente o sentido de voto do povo espanhol pode ser interpretado ao sabor dos interesses da internacional socialista ou da coligação pró-americana.
Haja pelo menos algum pudor nisso.
Os espanhóis votaram de “fúria” e de “raiva”, são sentimentos irracionais, talvez, mas tão enraizados na “alma espanhola” que fazem parte do seu devir colectivo e que felizmente podem ser expressos pelo meio do voto, a única arma de porte autorizado em democracia.
Confio na sabedoria e na soberania do povo espanhol, mesmo acreditando que se La Tocha não tivesse ocorrido, hoje seria o PP a chefiar o Governo. Isso não me autoriza a mim nem a ninguém a julgar um povo ou um eleitorado por ter reagido emocionalmente a uma tragédia humana e colectiva de proporções jamais vistas na moderna Europa dos valores civilizacionais e da tolerância como bem absoluto.
Apesar dos canalhas da ETA, e da Al-Qaeda, a Espanha continuará a ser um país democrático, civilizado, e humanista. Essa é a grande vitória e a lição exemplar que o povo espanhol deu e vai continuar a dar.

O terror bate à porta


Velasquez, a forja de Vulcano, Museu do Prado (Madrid)

O dia 11 de Março e o espúrio massacre de inocentes trabalhadores dos subúrbios madrilenos, é mais um acto da negra tragédia terrorista que se abate sobre o mundo como uma pestilência do Mal, e como uma guerra de fronteiras invisíveis que se propaga como uma epidemia sangrenta.
A Europa acordou finalmente para o terror global, que lhe fere o coração bondoso, habituado a condescender, dialogar, contextualizar e humanizar em esforços diplomáticos, aquilo que hoje sabemos só pode ser travado numa lógica de guerra, e não é certamente uma guerra convencional.
Os corpos mutilados espalhados pela gare de Atocha ensinaram a uma Europa tolerante e bem pensante, que o único limite para a tolerância é a intolerância.
Toleramos tudo, não podemos tolerar a intolerância assassina da Al-Qaeda e do fundamentalismo árabe. Amargamente, o atentado à Europa ocorre num país habituado ao medo e à bastardice do terror etarra, acolitado na pretensa validação moral da luta armada, por designios sufragados por uma pequena minoria.
O separatismo basco é sinónimo de terrorismo basco, tal como a causa árabe representa o “terror” de impor a vontade fanática de uma minoria a uma larga maioria.
Em Atocha, os corpos despedaçados não estão distantes e separados por essa confortável barreira invisível entre a Europa e o resto do mundo.
Não são corpos de chiitas rebentados em plena oração pelos seus “irmãos” terroristas árabes, tentando fomentar o caos e a guerra civil no Iraque. O hálito fedorento da morte e do terror soprou nas nossas nucas, com a mesma violência de sempre, antes preservado pela distância.
Em Atocha não morreram espanhóis, morreram europeus, gente que pagou com a vida o facto de viverem num país europeu, com um estilo de vida europeu, com ideais e valores europeus, gente que vivia em democracia e que nela acreditava como único garante da defesa dos direitos do homem e da humanidade.
Foi isso que a Al-Qaeda quis fazer explodir com os seus comboios-genocidas, com o mesmíssimo objectivo que os aviões teleguiados contra as Twin Towers.
Acreditar que o atentado de Atocha é uma mera retaliação pelo envolvimento do Governo espanhol na Guerra do Iraque é não entender o flagelo com que o Ocidente se debate, é subavaliá-lo. É o melhor caminho para a cedência, a rendição e a aceitação do terrorismo como meio de uma minoria feroz impor a sua tresloucada vontade. Acreditar nisso é desacreditar a democracia e a sua defesa intransigente, que todos os homens de bem e todas as nações de bem devem fazer.
Caso contrário, os milhares que morreram em Nova Iorque, em Bali, em Istambul, em Bagdad, em Casablanca, em Madrid, e os milhares que ainda morrerão em Londres, Paris, Roma, Lisboa, Rabat, ou em qualquer local do mundo onde um célula da Al-Qaeda esteja activa, esses “mártires” inocentes da civilização e democracia, terão uma segunda morte ainda mais dolorosa, porque servirão a “causa” do fundamentalismo árabe, que os encara como meros instrumentos, desprovidos da singularidade da vida.
A tocha da humanidade e das conquistas civilizacionais do ocidente não pode ser apagada por um punhado de medievais e cobardes ayahatolas do terror global.
Iludam-se os bens pensantes e a esquerda estilo “Loja de Conveniência”, o que está em causa não é um conflito ideológico, nem a política externa americana, nem a “guerra” do petróleo. O que está em causa é um tremendo choque civilizacional, travado numa escala global, e nesse choque uma “neutralidade” estilo suiço é quase tão criminosa como as bombas temporizadoras da Al-Qaeda. Com o terror não se pode contemporizar.



TAP ATAQUE



Na última edição do Expresso, onde a fotografia de Santana Lopes em genuflexão luzidia perante o sumo-pontífice tem honras de capa, aparece um artigo de opinião, envergonhadamente remetido para um cantinho obscuro do Caderno de Economia.
Trata-se de um artigo de leitura absolutamente indispensável, assinado por Ângelo Felgueiras, o presidente do sindicato dos pilotos da TAP. Um artigo em que este temível sindicalista que conquistou um estatuto "excepcional" para os pilotos da transportadora aérea vem defender os méritos da administração da empresa. Para o leitor mais desatento, um sindicalista a tecer loas à administração seria de cair de pantanas, ou no mínimo suspeito.
Mais, trata-se de uma administração que nos últimos três anos não deu nem mais um chavo de aumentos aos trabalhadores, nem mais regalias, nicles, népias, niente.
Parece ficção, mas não é. Esta administração, que liderou o “milagre” do saneamento da TAP, com um ambicioso e duro plano de reestruturação da empresa, feita com os trabalhadores e não contra os trabalhadores, como é costumeiro no dirigismo nacional, esta administração que finalmente deu um rumo à TAP, que lhe traçou objectivos e que lhe introduziu modelos de gestão profissionais e racionais, e que granjeou o apoio dos trabalhadores e dos sindicatos mesmo com o congelamento de salários, esta boa administração conduzida pelo brasileiro Fernando Pinto parece ter os dias contados.
Insólito não é, uma empresa de capitais públicos que funciona, que recupera, que apresenta resultados em paz laboral vê-se na eminência de ver os “autores” deste milagre sumariamente corridos da empresa.
A explicação é tão terrivelmente simples e indigna que até dá vómitos. O “brasileiro” foi convidado a reestruturar a TAP pelo antigo Minsitro do Equipamento socialista, Jorge Coelho, e temendo as reacções dos trabalhadores e dos media, o Governo de Durão Barroso achou por bem manter o “brasileiro” no cargo, não sem antes ventilar para os pasquins a soldo uma bocas sobre o “ordenado milionário” do “brasileiro”, ainda assim muito abaixo do praticado noutras empresas públicas portuguesas geridas por comissários políticos. Como o cambalacho não resultou, o Governo de Durão Barroso decidiu nomear um Presidente para a TAP, que hierarquicamente seria colocado acima do “braileiro” mas sem carta branca para correr com ele imediatamente. Foi assim que o sr. Cardoso e Cunha, gestor público e notório, notório pelo seu autoritarismo bacoco, pela sua inclinação para o despesismo galopante como tão provas deu como primeiro Comissário da Expo, foi assim que este grotesco gestor público, e obediente comissário político, ascendeu à presidência da TAP.
Há quase dois anos este delegadote da gula partidária vem arregimentando a tradicional horda de descontentes e de tachistas militantes, com os TSD (Trabalhadores Sociais Democratas) à cabeça, histéricos pelo Governo da sua cor política não ter imediatamente saneado o brasileiro e a sua equipa, e não ter redistribuído o “saque” de regalias entre os comparsas dos Congressos sociais-democratas.
Há dois anos que a TAP vive numa guerra surda entre duas administrações – a profissional e rigorosa, e a política e mesquinha –, naturalmente com os acolitados da politiquice a tentarem forçar o “brasileiro” a bater com a porta, por não terem a coluna vertebral no sitio e a coragem de “correrem” com ele. Todos sabemos como a história vai acabar, porque vivemos em Portugal, terra de ácaros, de respeitáveis intrujas e de trafulhice organizada. Ângelo Felgueiras, ironiza e bem “sempre conseguimos melhores resultados nas negociações com administrações políticas do que com que administrações profissionais”. Será que o pretexto para correr com o brasileiro vai ser a necessidade de aumentar o poder de compra dos cerca de 10 mil trabalhadores da TAP. Este é o modelo clássico da gestão política das empresas públicas, um farta-vilanagem que até mete dó. Toda a gente sabe e ninguém tem os tomates de dizer porque é que isto se passa, nem os jornais as condições nem coragem para chafurdar neste pardieiro infecto. A verdade é só esta – a colonização parasita de empresas públicas por políticos profissionais não serve só para dar emprego a estes ilustres inúteis, serve sobretudo para ter nestas empresas aquilo que na gíria empresarial e politiqueira se chama – O HOMEM DA MALA. É o homem que distribui favores, condiciona concursos, encomenda serviços desnecessários e superfulos, e por tudo isso cobra subrepticiamente uma taxa que leva de mala em punho às sedes dos partidos. A gestão política das empresas públicas é uma forma encapotada e insidiosa de financiar os partidos políticos, e depois queixam-se da falta de produtividade dos trabalhadores.
Mas que importa tudo isto, quando Santana Lopes beija a mão ao Papa ?


Pobres de espírito

Santana Lopes foi ao beija-mão ao Papa na semana em que o INE anunciou que o desemprego em Portugal cresceu em Fevereiro 13% em relação ao período homólogo do ano passado e que um estudo do Ministério da Educação revelou que 40 % dos estudantes portugueses não terminam o ensino obrigatório, ou seja mais do dobro da média europeia.
Adivinhem lá o que é que teve mais honras de primeira página e de abertura de telejornais ?
Pobre país este, de gente pobre de espírito, porque deles será o Reino dos Céus.


Em Portugal 13 por cento da população está desempregada e 40 por cento dos estudantes não cumprem o ensino obrigatório. Ma o que é que isso interessa, ó mãe compra lá a VIP para ver a reportagem do Santana Lopes no Vacticano.
Deo Gracias!


Santana Lopes e a matura idade

O excelentíssimo e jovial gestor Paulo Miraldo, com uns tenros 40 anos de idade, assina na edição do passado Sábado do “Público”, mais um canto laudatório à pré-candidatura do Dr. Santana Lopes à Presidência da República.
Sob o sugestivo título “Combate de gerações”, o confiante gestor, promete presença no Aeroporto, de lenço branco em punho e lágrima no canto do olho, acenando um adeus português às hordas de fanáticos que prometeram mudar de nacionalidade no dia em que o Dr. Santana Lopes franquear os portões do Palácio de Belém.
Será um dia radioso quando, no seu estilo galvanizante, Santana Lopes soprar “novo fôlego de auto-estima em Portugal”, ou refundar a Política como “angariadora de sonhos motivadores e como força catapultadora do ser português”, como escreve um também galvanizado Miraldo.
Por mim, dispenso ver catapultado o meu “ser português”, e passarei muito bem sem andar de mão estendida para angariar sonhos.
Este “eu” português reserva desde já um lugarzinho em económica num qualquer “voo charter” de expatriados com bilhete de ida sem e volta, admitindo até voar a baixo preço na Air Luxor sem apoio do Estado ou segurança privada.

De cânticos, prefiro os negros
Mas, enquanto esse dia tarda, para impaciência de muitos, gostaria apenas de tecer umas brevíssimas considerações sobre a tese, digamos, pueril, que sustenta o seu fervor santanista, e que também outros proeminentes esbirros da guarda pretoriana do Dr. Lopes têm espirrado - à míngua de ideias, projectos, ou um discurso articulado sobre o futuro de Portugal.
A tese é que o Dr. Lopes é o melhor candidato a Belém porque é um homem novo.
Outro antes de si, o talismã Homem de Mello, conhecido por emprestar a sua moedinha da sorte a presidentes de vitória certa, havia já justificado o seu apoio “oracular” ao putativo candidato, com base na certidão de nascimento do Dr. Lopes.
Sangue novo na política, uma ruptura com o passado e frases gongóricas ao estilo do melhor western-spaghetti como: “Zé Manel estava escrito nas estrelas que nos encontraríamos”, são então a receita para erguer uma espécie de ETAR em Belém e tratar as águas pardacentas de Portugal.
Há falta de substância, as grandes valências do Dr. Lopes para ocupar o nosso máximo orgão de soberania são: ambição, eloquência, mediatismo e ... a idade !
Não querendo estender-me sobre os vastos recursos pessoais, profissionais e políticos do Dr. Lopes, tão prolixamente analisados por companheiros de partido como Pacheco Pereira ou Marcelo Rebelo de Sousa, gostaria apenas de tentar ser iluminado por essa peregrina visão de que o Dr. Lopes representa algo de novo na política nacional, pelo simples facto de ter nascido depois do final da II Guerra Mundial.
Colocar a pré-candidatura do Dr. Lopes no plano do “combate de gerações” é uma manobra embusteira, que visa passar uma certidão de óbito político a toda a gerontocracia dominante, ou seja, políticos com mais de 50 anos de idade que se perpetuam entre os folhos perfumados do poder, como os camaradas de Brejnev no Comité Central faziam na velha URSS.
Segundo entendi, a “Glasnost” à Pêpêdê é colocar o ideal de um “homem novo” como o Dr. Lopes na corrida para Belém, dando oportunidade a toda uma geração “nascida com o 25 de Abril” de se rever na política.
Acredito que sim, acredito que a desmedida ambição, o gosto pela conspiração e pela politiquice, a vertigem do sucesso, a avidez da fama, a cupidez do poder, o oportunismo galopante e a irreprimível vaidade; sejam valores de referência para uma parte da “geração nascida com o 25 de Abril”, mas mesmo para isso, também há para aí outros políticos a completarem a “job description”.
Em Gaia, por exemplo, mora mais um exemplar desta classe, curiosamente, apoiante confesso e defensor abnegado da “honra” do Dr. Lopes.
O que ressalta de mais patético desta tese do “elixir da eterna juventude”, é que o Dr. Lopes nem sequer é um homem novo.
Tem 48 anos, e quando mandar redecorar o Palácio de Belém para fazer capa na “Caras” já terá dobrado o terrível Cabo das Tormentas dos 50 anos de idade.
Prometi mim mesmo não me alongar sobre aparências, mas quando se fala do Dr. Lopes a tentação é irresistível, porque estamos no epicentro das aparências, e foram os seus acólitos, os primeiros a tergiversar sobre a “juventude” do candidato.
Ora, por mais que repuxe o fio capilar a brilhantina e gel, no melhor estilo Berlusconi-galã-de-estância-transalpina, o Dr. Lopes não deixa de ser um homem já “entradote”, produto de uma certa galante geração, que foi animada por uma espécie de síndrome tardia de Peter Pan, cuja sintomatologia se resume muito friamente como a “crise da meia idade”.
Há uns que a curam, comprando automóveis descapotáveis, há outros que querem ser presidentes da república; estes últimos inscrevem-se na categoria dos megalómanos perigosos.
Com quase 50 anos, o Dr. Lopes está por isso longe de ser uma jovem esperança da política portuguesa, onde aliás está envolvido profissionalmente há quase trinta anos, ocupando alguns cargos de irresponsabilidade que não lhe permitem, nem aos seus serventuários, desmarcá-lo do tal caquético sistema político, de que defendem ser ele arcanjo vingador.
O Dr. Lopes faz parte da mais velha e antiga família da política – a dos populistas -, e a única frescura que pode emprestar à vida política nacional é a sua infantilização.
O resto é mais velho do que a Sé de Braga, é a caduquice do costume a patrocinar a crendice costumeira.
Como dizia no outro dia um camionista “Portugal é mesmo assim”, e não consta que vá mudar, apesar destes arautos de voz melífula prontos a cantar “novos amanhãs”.
Por mim, prefiro os Cânticos Negros... Desengane-se pois o senhor Miraldo quando convoca sob a sua bandeira “esta geração nascida com o 25 de Abril sabe o quer e para onde quer ir. (...) Vamos ter em Belém alguém da nossa geração”.
Pela parte que me toca, não sei o quero e não sei por onde vou... mas sei que não vou por aí.


PS: No aeroporto, marcamos encontro nas partidas ou nas chegadas?

Rui Pelejão, 30 anos, futuro apátrida

sexta-feira, março 5

Cartinhas de um Presidente: O Fundão pode esperar

O Presidente da Câmara Municipal do Fundão, num gesto de elevação cívica e de cidadania hiper-activa, decidiu publicar no Público um artigo em defesa da honra do seu estimado e estimável “compagnon de route” e putativo candidato a Presidente da República Portuguesa, o Dr. Pedro Santana Lopes.
Depois de ver o seu frágil e desprotegido amigo acossado pela mais respeitável matilha de cronistas políticos cá da praça, onde se incluem os também companheiros de partido Pacheco Pereira e Marcelo Rebelo de Sousa, para além do temerário e jocoso Miguel Sousa Tavares, o “nosso” Presidente saiu de espada em punho, brandido quixotescamente a causa santanista, e zurzindo os “infiéis” que não perfilham a sua iluminada visão desse Messias de gel e brilhantina que é o Dr. Lopes.
Juntou-se assim aos Cruzados pela sacrossanta causa onde, apesar das suas aspirações, não deixa de ser mero escudeiro-sancho, camarada de armas de outras vozes tão credíveis e respeitáveis como o Dr. Alberto João Jardim ou o inefável Meneses de Gaia, só falta mesmo o Major Valentão e o Avelino das pauladas para estar o ramalhete completo. Parece-me a mim que o nosso estimado “edil” anda em muito más companhias, mesmo para os padrões pouco selectos do seu partido, mas é bom que se vá pondo em bicos de pés para Chefe da Casa Civil, porque ali na Serra da Estrela há outro candidato com outra calibragem na “matreirice” política e que é também um Santanista dos quatro costados.
Enquanto andam entretidos a brincar aos polemistas as respectivas terras podem esperar, porque afinal estes são dos tais que estão na política pela política.
Fico a aguardar com expectativa pelo momento em que o senhor Presidente decidir empunhar a caneta para explicar o que é que anda cá a fazer pelo Fundão e pelos seus munícipes. Afinal já lá vão dois anos e ainda não vi nada, e o que vi, foi mais do mesmo.

Uma última braçada no Costa

Reparei agora que o Costa se mantém no activo até ao final de Março. Acho que ra de muito bom tom fazermos uma festa de arromba no Costa em jeito de despedida, até ao final do mês, convocando todos aqueles que lá deixaram um bom bocado de memórias. Acho que valia a pena pensar nisso. Sugiro o fim-de-semana de 20 e 21 ou então de 27 e 28 de Março, pensem nisso e digam qualquer coisinha, pode bem ser aqui, sempre a pedreira pode ter algum movimento...

Abraçinhos a todos

Costa, aquele bar

A notícia com mais Impacto que recebi dos camaradas beirões que não se remeteram a um voto de silêncio (esperemos que não seja extensível à castidade), é que o Costa, finalmente conseguiu trespassar o seu bar.
Mais do que as notícias do “ad eternum” regadio da Cova da Beira (para regar o quê, tremoço mijão, não?); da Beira rachada ao meio que nem uma melancia pela mão talhante de políticos-magarefe; das pompas e circunstâncias de Casino Culturais e Moagens de moer o juízo, ou de cartinhas indignadotas e lampeiras dos nossos edis nos diários nacionais; a única notícia verdadeiramente relevante para o futuro do Fundão e quiçá da humanidade é a "reforma" do Costa.
Tive uma pequena crise nostálgica quando li o “post” do Bruno, prontamente sanada com um H&B com gelo até às orelhas, em tudo idêntico àqueles que o Costa me costumava aviar às dúzias, nos bons velhos tempos do Fundão como terra de tertúlias e copadas valentes, que são dois ângulos do mesmo sorriso.
Na minha modestíssima opinião de emigrante-foragido e eterno forasteiro em terra própria, o Impacto Bar, ou simplesmente o Costa foi um verdadeiro marco da década de 90 na movida fundanense.
Arrepiem-se os putos modernaços, mais dados a "cool hipnoises", ou os cotas "selectos" encostados no balcão inamovível do Alô Alô, ou nas noitadas cada vez mais provincianas e bimbas da "Discoteca", mas o Costa foi durante muito tempo o Bar mais "cool" do Fundão.
Para mim sempre foi a versão mais próxima do "Cheers - Aquele Bar" que se podia encontrar na Cova da Beira. Um misto de bar de cidade do interior com café de tertúlia, despretensioso e simples, onde os ciganos do mercado iam beber o seu copázio durante as segundas-feiras, os putos das escolas bebiam um cafézinho e estendiam as tardes em namoricos a custo quase zero, para desespero do Costa, e depois à noite era invadido por uma fauna diversificada e animada, a dar um colorido diferente às noites do Fundão.

E depois havia o Costa. O mais "odiado" dono de bar do hemisfério Ocidental, com o seu "modus operandi" rezingão, a sua contabilidade feroz e o seu lendário mau feitio, resplandescente na caralhada.
Uma autêntica figura, mas também um bom coração, sempre pronto para um ameno cavaco regado a humor franco e brutamontes que sempre apreciei, enquanto lá me punha a par das últimas do Fundão, embalado pelos whisky troubles que me servia com a familiaridade de quem acolhe os "seus".
O que eu mais gostava no bar do Costa, por incrível que pareça, era mesmo o Costa.
O Costa e a judiciosa e tranquila Judite, na sombra, a zelar pela casa amiga.
A eles que sempre me abriram a porta em noites de "nevoeiro", ficarei sempre grato pelos bons momentos que ali passei, e pelos bons amigos que ali cultivei e reguei abundantemente com grandes maratonas de bom paleio e whisky de qualidade titubeante.
Para sempre gravadas na memória dos afectos, que é aquele que dura mais tempo, a saborosa sensação de chegar ao Fundão e "ir dar à Costa do Costa". Ali encontrava o Tall e o Vasco naquela primeira mesa, estilo primeiro balcão, em pose altaneira a guardar o mundo dos meros mortais, oTall DJ a passar música, da melhor que foi soando publicamente em vários anos de "top`s bimbos" que dominam o espectro musical beirão.
Boas memórias das grandes tertúlias com o Ricardo, o Vasco, o Tall, o Espanhol, o Salvatori, o Paulo e as "borboletas" Souto e Bruno, e tantos outros “habitués”. As discussões inflamadas pelo álcool sobre a globalização, a política, a literatura e sobretudo do futebol com o camarada Vasco e com o Ricardo são para mim momentos épicos das noites fundanenses, que depois transportávamos em euforias trôpegas para o English.
O Costa é também o local onde descobri o inconformismo e a criatividade do Zina e da sua deliciosa pandilha - com o Pimentinha e o Bentinho. Onde confidenciei pequenas vitórias, grandes derrotas, e ironias amigas com o Bigi-Bigi, meu amor-ódio de estimação, quando o whisky era invariavelmente arrasado pelos Ice-teas de manga.
Depois eram as matraquilhadas, as setas e até as máquinas de jogos; o Costa era também local de encontro invariável para as futeboladas estivais de meio de tarde. Era o Costa festivo e cheio do Natal e da Páscoa, onde todos nos reencontrávamos, onde a Sónia e o Zé Pedro, e a Patri e o Jaques namoravam, onde o João Ferreira encostava a barriguinha ao balcão e aviava copos com galhardia, onde o Lipe chegava sempre a rir com aquele ar de estrela pop-decadente, onde a Mariana e as amigas enchiam o bar de graciosidade e boa disposição.
Era também o Costa da mais longa e eterna esplanada das noites de Verão, cujas noitadas se prolongavam para lá dos limites camarários. A esplanada paredes-meias com a Sodo Mar, nome da loja de congelados que servia de pretexto para mil e uma graçolas Sado-masoquistas.
É no Costa que guardo a cara bonita e inconformada do Carvalho e do seu "happening", desfolhando as letras de Lou Reed ao som de "It´s a Perfect Day". E foi, um dos muitos “perfect days” e “glorious night`s” que passei no Costa.
Enfim era o Costa que dava ao Fundão um verdadeiro centro cívico, esplanada de cumplicidades, bar de confidências e alegrias, e também das pasmacentas tardes de Verão que se estendiam mansas e inúteis ao zunido das moscas.
Foi tudo isso que fechou quando o Costa trespassou o bar.
Resta saber se foi só o Costa que fechou, ou se foi um capítulo nas nossas vidas?
Como sou um optimista encartado acho que o melhor é pensarmos já em "abrir" outro capítulo, ou seja outro "Costa".

Bem haja Costa, aqueles que vão beber para outra freguesia, saúdam-te


PS: se alguém puder fazer chegar isto ao Costa, agradecia.

quarta-feira, março 3

Grande peixe, Olho pequeno



(A propósito do debate sobre o mais recente filme de Tim Burton, "The Big Fish", no blog Através dos Espelhos, dos amigos Tiago Araújo e Vítor Hermes)

"O grande peixe", o novo filme de Tim Burton, provocou em mim uma sensação dúbia de entusiasmo e estranheza. Mas só quando li os comentários do Vítor Hermes e do Tiago Araújo, no blog Através dos Espelhos, é que consegui racionalizá-la. E, meu caro Vítor, penso que não podemos resumir a análise de todo o filme somente ao brilhantismo do toque onírico de Mr. Burton. Esse toque está lá, inconfundível, nos ambientes saturados de possibilidades, nas imaginárias figuras e figurões, e principalmente num dos personagens: o pai. Ele é uma figura "Burtiana" até à medula, tanto em jovem (Ewan McGregor), como já praticamente avô. Tal como Batman, Eduardo Mãos de Tesoura, Ed Wood, ou Jack no seu estranho mundo, também o personagem deste filme carrega o fado da sua condição, que , neste caso, é a de ser um contador compulsivo de histórias. Mas é a opção de contar as histórias recheando-as de efabulações, e acreditando ao ponto de só se deixar morrer no interior de uma delas, que coloca o personagem no panteão dos heróis "Burtianos". Quanto a este aspecto, a perícia do realizador mantém-se inigualável. E estamos conversados.
Onde a porca troce o rabo, ou melhor, onde Tim Burton franze os olhos, é quando tenta resolver o conflito entre a magia das fábulas contadas pelo pai e o muito prosaico desejo de "verdade" do filho. Se Burton, em termos de argumento, quis mesmo ir por este caminho, não deveria ter filmado o pai com um grande olho de peixe e reservado ao filho não mais do que um olhar de esguelha. Ele descura-o, não gosta do personagem nem o explica convenientemente, e ficamos com a ideia de que o petiz simplesmente fez uma birra pueril contra o pai- até a ironia do jornalismo parece teimosia. O mesmo se passa com as outras personagens "reais", como a mãe ou o médico, claramente sub-aproveitadas naquilo que de mais valioso tinham para dar ao filme: a convivência com um homem de sonho(s). Este desleixo para com determinados papéis, na minha opinião, ensombraram o trabalho de um realizador para quem o cinema é o buraco da fechadura por onde se espreita o âmago das personagens, descobrindo-lhes as mais secretas pulsões. E se este filme se baseava no confronto entre duas pulsões diferentes, uma delas era a clara vencedora logo à partida. Isso descompensou o filme.
O desiquilíbrio nota-se até na realização e na montagem. Os flash-backs são oásis onde a história se refugia. A espinha dorsal do filme, o confronto entre as histórias fantásticas do pai e a vida real do filho, são cenas soltas sem fluidez e sem corpo. É um peixe cortado às postas este "The big fish". Resume-se a fazer desfilar uma sequência de gags geniais, repletos de onirismo e imaginação, interrompidos abruptamente por momentos altamente xaroposos de estilo (tele)novelesco. Tim Burton só se consegue verdadeiramente redimir numa das cenas finais, durante o funeral, quando todos os personagens das histórias reaparecem, não só na sua "forma humana" mas essencialmente repletas de ternura e cheias com a vida do homem que se cruzou nas suas vidas. Foi só nessa derradeira cena que eu acreditei em Tim Burton e no seu grande peixe.

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