terça-feira, dezembro 30

O Elogio do Xisto

Não sei se este tema já tinha vindo à baila no blogue, mas o meu elogio de 2003 vai para a publicação "Aldeias do Xisto" que, para quem não sabe, é o estandarte do programa homónimo, com área de intervenção em vários concelhos da Beira Interior, como Arganil, Castelo Branco, Fundão, Miranda do Corvo, Oleiros, Pampilhosa da Serra, Penela, Sertã, Vila de Rei e Vila Velha de Ródão. A entidade tem um nome impronunciável (AIBT-PI - Acção Integrada de Base Territorial do Pinhal Interior) e propõe-se levar às populações de 21 concelhos este programa em três grandes linhas: a constituição daquilo que chamam "uma rede das aldeias de xisto", uma rede de praias fluviais e uma outra de percursos do Pinhal Interior.

O programa, que por se destinar a uma das zonas mais pobres do país, não dispõe do orçamento para a comunicação de uma CML, tem no entanto um veículo de divulgação de fazer inveja a muitas câmaras do nosso pequeno país, e com muito menos meios. Informa sobre o programa, divulga iniciativas, cruza gerações e faz saltar para as suas páginas pessoas daquelas terras, mantendo a sua dignidade e revelando uma forma de vida muito distante do Portugal litoral urbano. E, Deo Gratias, nenhum presidente de câmara tem o direito em particular de exibir o seu bigode no editorial, já que se trata de um programa que tenta pôr em prática algo impensável que é a cooperação entre câmaras.

A pequena publicação mostra que, mesmo num ano dificílimo como foi 2003, existe gente com vontade e capacidade de fazer coisas e trazer às aldeias do interior alguns sinais positivos em contra-ciclo com a desertificação de foram alvo nas últimas gerações. Não é uma publicação "coitadinha", é fresca e orgulhosa daquilo que traz a público.

Faço por isso o elogio ao pedreiro Bruno Ramos, que é o seu editor, não por camaradagem de "con-pedraria", mas pelo gosto de ler algo bem feito, optimista, de cara levantada, depois de tantas dificuldades, e por estar farto de tanta miséria. Quem não conhece, contacte o editor para passar a conhecer (a revista é gratuita).

sexta-feira, dezembro 26

Fundão 44 KM

Descobri que por um estranho fenómeno da Natureza, a bela terra da Soalheira se afastou do Fundão, virou-lhe as costas e já vai de fugida. De acordo com a Brigada de Trânsito, a Soalheira foi vista em passo acelerado a 44 km do Fundão. Isto é pelo menos o que dizem as placas a caminho do Fundão na novíssima e finissima A23 (tem dois túneis e tudo!). A Soalheira que antigamente ficava a cerca de 15 quilómetros do Fundão, passou a distar 44 KM, e ainda dizem que as auto-estradas aproximam Portugal. Neste caso tratam é de nos afastar, é por isso que quero distância de auto-estradas e dos respectivos engenheiros. Viva o atalho do Couço, das sandes assadas, das curvas de Nisa, do cheiro nauseabundo de Vila Velha de Rodão e do Tejo ali ao lado. Viva a Ponte de Sôr e a antiga e interminável estrada para a Beira Baixa, ao menos aí sabíamos com o que podíamos contar.

quarta-feira, dezembro 24

Livrem-se dos censores

Queridos amigos:
Desejo um bom Natal a todos os pedreiros do granito.
Nesta quadra sejam desassombrados e deixem-se levar por aquilo que gostam, livrem-se de indicadores morais, comam, bebam, fumem muito. Divirtam-se e livrem-se dos censores, dessas pessoas mal formadas, mal realizadas e frustadas, para quem a vida tem de ser muito arrumadinha e muito saudavel. Numa palavra deixem-se levar pelo prazer. Prazer da gastronomia e dos afectos.

sexta-feira, dezembro 19

The Office

Estranha e embaraçosa... Esta “sitcom” é sem dúvida espectacular!
Ricky Gervais é David Brent o director regional de um escritório nos subúrbios de Londres... Este personagem é exageradamente convencido das suas (não)habilidades e (não)capacidades tanto como director, filósofo, cómico,etc... Digamos que este gajo é mesmo “o máior” que acaba sempre no ridículo...
Mas ao mesmo torna-se quase difícil de assistir a tantos momentos embaraçosos fazendo com que tenhamos uma certa pena ou mesmo compaixão pelo David... Leva-me mesmo a repensar o que se considerar como cómico e humorístico porque ao fim e ao cabo muito poucas gargalhadas se soltam por episódio dependendo do estado de espírito de cada um! Encaixa quase na perfeição com a definição de humor do escritor, dramaturgo e poeta (e infelizmente fascista) italiano Luigi Pirandello(1867-1936) no seu trabalho: “L’Umorismo”.
A mais premiada e celebrada série humorística da BBC dá que pensar... E rir claro! Se não puderem ver nos Sábados á noite... Por favor gravem e vejam no Domingo á tarde com(o) gurosan!

Gente feia

Já acredito plenamente nas previsões hirónicas de Ben Helton quando
descreve uma BBC que vai pura e simplesmente banir gente feia dos ecrãs lá para os meados de 2010... Aliás, acredito numa situação destas ainda antes de 2007! A “maravilhosa” TV italiana é um exemplo flagrante e actual da falta de gente feia nos seus programas... Até as audiencias para certos programas tipo “Fátima Lopes italiano” são escolhidas a dedo para que não apareça nenhum “camafeu” a perturbar-nos a hora do chá ou para colmatar alguma falha de um “telegiornale” que se viu obrigado a passar imagens de um político (ou magistrado;-) menos esbelto. A TV portuguesa está, já desde algum tempo, a tentar livrar-se de actores e actrizes menos belos(as) das telenovelas para os substituir com modelos que, por acaso, até tiraram um curso de teatro (ou não).
Eu ainda sou partidário de que o feio, o normal e as situações não programadas e embaraçosas podem ainda superar esta tendencia do perfeccionismo e do silicone televisivo... Aqui está uma óptima oportunidade para que alguns artistas se contraponham a esta tendencia (principalmente se forem feios!!!). Esta sociedade está obsecada com a perfeição e, se calhar, o princípio deste século vai ser recordado como um “Neo-Renascimento Pimba”!

quarta-feira, dezembro 17

A América de Archie Bunker

Para não dizerem que o granito só destila fel, aqui vai um bocadinho de mel para o melhor programa em exibição na televisão portuguesa.
Primeiro é preciso vasculhar bem no telelixo, para encontrar uma pérola chamada “Uma Família às Direitas”, com a destilaria de verborreia e preconceitos do “average american”, chamado Archie Bunker.
Passa todos os serões na SIC Gold, é uma série da década de 80 e está a anos luz das merdengadas que se produzem hoje em dia.
Racista, machista, anti-comunista, obstinado e deliciosamente venenoso e rezingão Archie Bunker é uma iluminação de Natal para os meus pacatos serões , e o melhor digestivo para o engulho que me provoca a paranóia do politicamente correcto.
Pai espiritual e inspirador desse seu sucedâneo “cartoon” que é Homer Simpson, ambas as personagens encarnam a capacidade da América se rir de si própria. É por isso que convivo mal com o pensamento simplório e aglutinador que “empacota” um país-continente como os EUA, num chorrilho de lugares-comuns, tão perigosos como aqueles que emanam da administração fascizante que, por ora, ocupa a Casa Branca. É lamentável pensar que a América é só a terra de Bush, da pena de morte, da indústria capitalista sem escrúpulos, do McDonalds, do politicamente correcto.
É bom lembrar que a América é também o mais estimulante epicentro de investigação e desenvolvimento tecnológico, e terra de efervescente cultura, capaz de ser contraditória e rir-se de si própria (muito mais do que os vetustos europeus que continuam a levar muito a sério essa sua condição de europeus).
É isso que “Uma Família às Direitas” faz pela voz de Archie Bunker. É que a América dos preconceitos e do patriotismo patético é também a América de: Heminghway, Kennedy, Roosevelt, Eisenhower, Luther King, Cole Porter, Duke Ellington, Miles Davis, Charlie Bird Parker, John Ford, Frank Capra, DW Griffith, Charles Chaplin, Martin Scorsese, Woody Allen, David Lynch, David Mamet, Martin Amis, Paul Auster, Norman Mailer, Scott Fitzgerald, e tantos e tantos outros... É toda essa América cada vez mais esquecida, que o Archie Bunker me ajuda a recordar todos os dias ... apesar do Bush e seus capangas.

Licença de Porte de Cinzeiro

O Estado de Nova Iorque decidiu proibir os cinzeiros em locais públicos. A explicação é simples – o cinzeiro é um convite a fumar; quando não têm cinzeiros por perto as pessoas sentem-se inibidas em puxar do cigarrinho.
A pueril explicação esconde mais um avanço dessa autêntica cruzada contra os fumadores, que a vanguarda do pensamento higiénico prossegue nos EUA.
Na mesma cidade onde o porte de arma e o seu licenciamento é mais banal do que comprar bilhetes do metropolitano, o porte de cinzeiro passa a ser punido por lei.
Estamos já a imaginar o mercado negro que esta medida vai fazer florescer, com um comércio subterrâneo de cinzeiros importados da Rússia, a inundar as catedrais do bas-fond nova iorquino.
A notícia que o Público copiou (quase literalmente) do Herald Tribune com prazdo de validade de Novembro (as vantagens de andar de avião, lemos na imprensa internacional as notícias que os pasquins cá do burgo vão requentar um mês depois), mostra a face visível de um novo fascismo higiénico que contamina a terra das pseudo-liberdades individuais, e que corre o risco de se tornar uma pandemia Pan-Europeia.
Felizmente há alguns traços de grosseirismo cultural que impediriam essa medida de ser bem sucedida em Portugal. Imaginem só, o “Tuga fumantes” típico (casta em que orgulhosamente me incluo)
– Ó que chefe, traga aí um cinzeirinho. – Ai não há, toma lá já com a birisca no pires do café, ou na alcatifa merdosa.
Para os portugueses a falta de cinzeiros nunca constituiu inibição de fumar, não há cinzeiro vai a beata para o chão, que esta merda é bio-degradável.
Felizmente, a nossa falta de civismo ainda nos vai defender dos avanços do fascismo higiénico.
Para eles uma longa e extensa baforada nas trombas ! Ó como diria o outro – Vai mas é lamber cinzeiros ó palhaço !

PS: A FIFA quer proibir os treinadores de fumar durante os jogos, a medida higiénica podia ser um bom pretexto para umas chicotadas psicológicas, mas vai é obrigar os “misteres” viciados a ir fumar um cigarrinho às escondidas, em vez de estarem a fazer as substituições e a dar a táctica. Nalguns casos isso até seria positivo, vejam o caso do inepto treinador do Sporting, quanto mais fumar, menos perturba a equipa.



Brit-Calm

Saí do trabalho com uma vontade enorme de um duche e de me sentar em frente á TV para ver o noticiário e talvez adormecer... Liguei o CD portátil e enfiei os head-phones nos ouvidos enquanto me aproximava da porta da saída que só abriu quando a minha cabeça quase bateu no vidro... Ao subir a rua em direcção á estação apercebi-me mais uma vez da forma irritantemente organizada de como os ingleses se deslocam... Parece que todos têm head-phones na cabeça e que ouvem a mesma música ao mesmo tempo!
Hoje de manhã tinha escolhido o “Dead to the Pixies” como banda sonora de mais um dia sem grandes espectativas ou ilusões... Já me fartei de D.J’s e todas as sonoridades relacionadas com Chill-Outs e outras merdas de CD’s de misturas... Ah, e pseudo-fusões de Jazz com música de dança.... O que na realidade tornam a banda sonora e o “filme” bem mais compatíveis... Mas o contraste esta-me verdadeiramente a agradar.
Cheguei á estação e olhei para os paineis informativos que mostravam um atraso de 10 minutos do “meu” comboio... Na boa, pensei... Sento-me num dos bancos e aproveito para continuar a curtir os Pixies e a admirar a paisagem ferroviaria britânica...
Anuncio da estação: “I’m sorry to announce that the south central train to … is delayed by approximately 20 minutes… I’m sorry for the delay that this may cause to your journey…”
Porra, é que não dão hipótese! Embora a voz desta desculpa seja uma gravação ranhosa, torna-se quase impossível ter uma iniciativa de protesto derivado ao atraso!!
Ah que saudades de Portugal, agora alcunhado “da tuga” onde, pelo menos, as desculpas dos atrasos nao existem ou então somos confrotados com coisas do género: “-Ordens superiores!!” Como se de uma divindade se tratasse, enfim... Mas pelo menos refilamos e depois de refilarmos sentimo-nos bem mais aliviados!!! Aqui toda a gente levanta a cabeça para ouvir o maldito anuncio e depois baixam-na outra vez num “-ts ts ts” para continuar a ler o livro ou o jornal... Ah, ou o Harry Potter (já se pode considerar outra coisa qualquer ... Livro é que nao!!!!). Começou o “Here Comes Your Man” coincidindo com a aproximação de um careca que se sentou mesmo ao meu lado... Fiquei a olhar para a careca do careca... Talvez seja devido á falta de luz natural ou de um nutriente qualquer, mas a verdade é que as carecas dos carecas ingleses sao bassas enquanto que as carecas dos carecas portugueses e outros latinos brilham bastante mais!! Agora comecei a pensar na melhor maneira de pedir ao careca a sua opinião sobre esta questão verdadeiramente intrigante... Mas a situação faz com que se levantem alguns problemas liguísticos... “Why is that your head doesn’t shine as much as ...? Better stop!”
Da próxima vez vou trazer um livro para não começar com estes pensamentos ociosos que acabam sempre em parvoice!

domingo, dezembro 14

Uma caçada domingueira

A caçada deste Domingo rendeu ao caçador global americano uma peça grossa, digna de alcandorar ao cimo da lareira da Sala Oval, numa homenagem à nativa tradição escalpeadora.
Acossado, e rendido no covil da besta, a personificação do Mal foi finalmente capturado pela cavalaria de arcanjos que zela pela beatitude normalizada de um Bem Global. Exibido como troféu de caça pelo servil amplificador mediático, que estende graciosamente uma passadeira intercontinental aos tele-evangelistas do Bem, Saddam Hussein era a imagem da derrota.
O orgulho árabe finalmente mordia o pó, como os vilões do velho Far West acabavam sempre por tombar na moralidade derradeira do Colt 45. A vitória do Bem sobre o Mal, numa encenação cinematográfica de “western spaghetti”, servido em compensação gástrica, depois da díficil digestão de um perú de Acção de Graças, que plastifica a forma de fazer política aldrabona da actual Administração americana.
O escalpe de Saddam exibido com ar triunfalista pelos americanos, numa propagação indecorosa e ajavardada da Vitória, e da humilhação dos vencidos. Perigosa uma Nação que não sabe perder, e muito menos vencer.
A América tem mau ganhar, isso está claro.



Lembro-me do traço barroco e grotesco dos personagens de Enki Billal, no livro “A Caçada”, quando um “américa” anuncia com misce en scéne de show bizz – “ladies and gentleman, we`ve got him”.
A desumanindade feroz, e a vã glória da imunda caçada de Billal, estão estampadas no rosto dócil de “Yuppie star” do porta-voz americano.
O rosto do Bem, barbeado e sorridente; o sorriso da vitória, em comparação aos olhos cavados e à longa e vencida barba hirsuta de um patético profeta do Mal – a imagem da derrota do Mal.
É esta cenografia Mediática, esta encenação e dramatização colectiva, que nos é servida à hora certa, num telejornal perto de si, para gáudio da turba, para americano ver e para a fileira de comentadores avençados com o Novo Evangelho Americano se prostrar em abjectos aplausos (em Portugal esta é uma espécie profícua ululante).

Indecorosa e sevandija é também a reacção colectiva que a esquerdalha organizada na penumbra da ideologia vaga e de moralidade criteriosa.
Para a esquerda bem pensante e de moral higiénica, o homem que dizimou um milhão de curdos, que utilizou armas químicas contra milhares de compatriotas, que manteve um país refém de um medievalismo brutal e autocrático, é agora guindado à condição de Mártir.
Falta pouco para ser o ícone-pop de uma nova esquerda cega pelo ódio ao Novo Evangelho Americano, e passar a coexistir nas t-shirts das barracas do Avante ao lado do Che Guevara.
Uma esquerda sem discernimento, baralhada e dada a espasmosas indignações cutâneas, brandindo a sua moral superior contra os moínhos de vento, num quixotismo cegueta.
A esta esquerda, o meu – Não, muito obrigado.
A prontidão com que o PCP se indignou com o método de exibição do Troféu de Caça dos americanos é verdadeiramente deplorável, quando ao que julgo saber, nunca lhes ouvi um pio, quando a carcaça esventrada e baleada de Jonas Savimbi – cadáver entregue ao mosquedo – foi exibida em horário nobre em todas as televisões portuguesas, graciosamente facultada pelo Governo canalha e parasitário de José Eduardo dos Santos e do MPLA, antigos dilectos dos comunistas.
Este relativismo moral segundo critério ideológico que o PCP e a esquerda moderninha exibem despudoradamente, variando a magnitude e afabilidade do Monstro Genocida em função do seu vínculo ideológico; isto é sem dúvida uma pestilência que se cola à pele da esquerda, que se não fizesse da memória um instrumento de conveniências, recordaria decerto que a sua matriz fundadora tem um Monstro com o curriculum de José Estaline. Mesmo esse é ainda hoje um monstro relativo, passível de enquadramento contextual e desculpabilização delirante.
Basta ir lendo umas artigalhadas da velha e nova guarda pretoriana do heterodoxismo comunista, para perceber que para essa esquerda – Os monstros genocidas são todos iguais, mas há uns monstros mais iguais que todos.
Esta caçada mostrou mais uma vez que o Mundo está um nojo, e como dizia Céline – “resta pouca esperança que um dia a merda venha a cheirar bem”.

Rui Pelejão

A (des)construcção europeia

Confesso que fiquei verdadeiramemte desiludido com o fracasso da Cimeira dos chefes de governo e de estado europeus quanto ao tratado da constituição europeia. Principalmente porque sublinhou a já longa desunião da Europa desde a fatídica guerra no Iraque liderada pelos EUA. Perante uma presidência italiana da União Europeia incrivelmente pouco dotada ao nível da diplomacia (e estou a usar os termos mais suaves para caracterizar a bizarra política seguida pelo improvável Berlusconi), o fosso entre os países agravou-se e revelou que estes são tempos de descontrucção europeia. O que mais me desiludiu nem sequer foi o facto de não se ter chegado a um consenso quanto ao texto da Constituição- a questão foi tratada com uma displicente rapidez, numa tentativa de forçar o "despacha aí a aprovação da coisa" e, assim, pelo menos, o atraso de nova ronda de negociações para Março do próximo ano, já sob a presidência irlandesa, é o saldo mais positivo de todas esta salganhada. O que mais me desiludiu, ainda, nem sequer foi toda esta crise ter posto a nú uma Europa de diversas forças e vários eixos de poderes- todos sabemos que Alemanha, França, Reino Unido e Itália são os mais poderosos economicamente e, logo, os países com mais influência na liderança dos destinos do velho continente… mas convém perceber muito bem os limites da expressão "influência".
O que resta de tudo isto é o gosto amargo pelo silenciamento do ideal de Europa em todo este processo. Tudo se resumiu a um jogo de poderes, a uma querela entre as contas de merceeiro de estados que têm mais de lantejoula que de corpo (Espanha e Polónia) e a arrogância de estados com mais corpo do que inteligência, ou savoir-faire (Alemanha e França). É que se, por um lado, considero o eixo franco-alemão demasiado autista e perigosamente prepotente, mesmo ao ponto de admitirem uma Europa "a duas velocidades", por outro, a birra da Espanha e da Polónia quanto ao número de votos, só é possível porque os une o mesmo brilho ofuscante da vaidade e da presunção. Ora, a nada disto se pode chamar um grande debate sobre o futuro da Europa; quanto muito é uma zanga de comadres num qualquer regateio de feira!
Pelo meio ficou por fazer o verdadeiro debate: o da constituição europeia. Pelo meio ficaram também os cidadãos europeus, atónitos com o triste espectáculo das zangas entre os seus máximos representantes políticos. E no espírito de todos nós, desde os fiordes nórdicos aos arquipélagos portugueses, passando pelos expectantes Urais, mantém-se a questão essencial: mas, afinal, o que é isso da constituição europeia?

sábado, dezembro 13

Insatisfações

Hoje, o arquitecto-director volta a mostrar, na sua crónica semanal, as perplexidades que lhe assaltam quando observa este nosso país à beira mar plantado. Esta semana revela-nos, naquele tom paternalista que o caracteriza, o quanto o intriga a insatisfação crónica dos portugueses. Segundo o douto e poderoso arquitecto, até os mais bem sucedidos portugueses, supostamente invejados por todos, não conseguem ser sinceramente felizes e vivem num estado de insatisfação permanente. Nada que espante por aí além. Para alguém que exibe uma tamanha falta de modéstia e uma tão ridícula megalomania, é normal que o conceito de insatisfação lhe pareça uma bizarria. Por mim, ao contrário do que possa parecer, não estou nada insatisfeito com a já mítica coluna de opinião do arquitecto. Em tantos anos de leitor assíduo nunca me desiludiu. É que eu tenho um gosto quase infantil por um bom bocado de humor.

quarta-feira, dezembro 10

Eleitoralismo à americana

Com o aproximar das eleições presidenciais do próximo ano, é já evidente a obsessão eleitoralista na agenda e na estratégia política da administração Bush. Perante o atoleiro caótico em que se transformou o Iraque após a invasão, onde as baixas entre os soldados norte-americanos não para de crescer, Bush apressou-se a revelar, num golpe de rins notável, que a sua intenção é agora acelerar a transferência de poder para os iraquianos. No dia da Acção de Graças, feriado nacional e dia de festa familiar por excelência nos Estados Unidos, o presidente não resistiu a montar um espectáculo ao melhor estilo holliwodesco. Para mostrar aos eleitores que o seu presidente dá força "aos seus homens" na linha da frente, a Casa Branca programou uma espectacular e bem encenada viagem "secreta" ao Iraque, acompanhada, claro está, por um conjunto bem seleccionado de meios de comunicação. Ao que parece, a coisa até meteu um peru de plástico para consumo televisivo e mediático.
Agora, segundo alguns jornais de referência estadounidenses, Bush prepara-se para tirar mais um coelho da cartola no grande espectáculo eleitoral americano: anunciar um projecto espacial ambicioso, que prevê o retorno dos norte-americanos à Lua, quem sabe até uma pioneira viagem a Marte. Compreende-se. Para conseguir a sua reeleição, Bush bem precisa que os seus concidadãos estejam "na lua".

terça-feira, dezembro 9

Jardim, o ingrato

Alberto João Jardim, o eterno presidente do governo regional da Madeira, é, com toda a certeza, a mais folclórica e burlesca personagem política portuguesa. Isto é tudo menos uma novidade. Hoje, os seus dislates cíclicos já não surpreendem nem chocam ninguém. Como alguém disse, não recordo quem, Jardim conseguiu algo que mais ninguém na vida política portuguesa pode usufruir: como já são poucos, ou nenhuns, os que o levam a sério, depois de anos a fio a discorrer ininterruptamente insultos e disparates políticos com obvio prazer pessoal e naquele estilo tão seu, goza do privilégio de uma forma particular de impunidade política. Desta forma, pode dizer, com o maior dos à-vontades, tudo o que lhe vai na cabeça sem o menor temor.
Desta vez, contudo, chocou-me a sua ingratidão. Apenas tinham passado poucos dias após termos conhecimento público que a ministra das Finanças deu parecer favorável a mais um empréstimo a contrair pelo governo regional da Madeira de 35 milhões de euros para fazer face ao seu crónico défice, contrariando dessa forma a sua própria lei do OE para 2004, e já o bom do Alberto João, lembrando de caminho o primeiro-ministro que "a paciência tem limites", exigiu ao governo que "a solidariedade continue a funcionar de Lisboa com o Funchal" ao mesmo nível do inverso. Tanta falta de pudor e tanta ingratidão é feio, mesmo muito feio. Caro Alberto João, nós por cá, pelo Continente, até passamos ao lado da sua quixotesca luta contra o neocolonialismo lisboeta e a perigosa multidão de marxistas que controlam o aparelho de Estado. Veja lá que até achamos alguma piada ao seu exibicionismo porno-rural por alturas do Entrudo. Mas tanta ingratidão com tão benévolo governo, e por arrastamento com todos os contribuintes do continente que mais uma vez vão pagar a factura do seu escandaloso despesismo, também é demais.

Sondagem

Segundo uma sondagem publicada ontem pelo Público, a maioria dos portugueses, independentemente de serem do litoral ou do interior, considera que levar a cultura ao interior do país deve ser a prioridade da política cultural do Estado. Dá que pensar. As assimetrias regionais no que toca ao acesso à cultura, algo tão fundamental para o desenvolvimento social e económico de uma região como para o desenvolvimento pleno dos indivíduos e para a celebração das subjectividades, é tão evidente que até aqueles que mais beneficiam desta inegável injustiça a acham intolerável.

quinta-feira, dezembro 4

Os elogios

Porque nem só de bílis vive o homem, nem mesmo os blogs mais viperinos; porque há coisas que merecem ser elogiadas, aquele tipo de coisas que nos fazem sentir bem por abrirem uma brecha de luz nos dias. Não quero desvirtuar o carácter interventivo e crítico do Granito mas há pedradas que podem ser atiradas com mãozinhas de seda, ou não?

O elogio do Y
À sexta-feira, o jornal Público (o meu diário nacional preferido) edita um suplemento cultural: o Y. Bonito, com um grafismo extremamente cativante (para quem não saiba, este suplemento já ganhou vários prémios internacionais de design gráfico para a imprensa), despretensioso, inteligente, actual. Não é que seja o melhor suplemento cultural que se possa exigir a um jornal generalista de âmbito nacional e com um perfil editorial a apontar para as classes média/alta (basta olhar para outros exemplos estrangeiros); mas não deixa de, na minha opinião, ser o melhor cá do burgo em termos comparativos. O conteúdo é diversificado e tratado de forma inteligente mas sem ser demasiado hermético nem puxar para o elitismo cultural. Digamos que, para jovens urbanos medianamente esclarecidos e com algum nível cultural, o Y é o melhor que se pode ter. Não deixa de ser mainstream, mas é um mainstream alternativo, ou seja, tem a inteligência necessária para jogar com as referências culturais comuns de pessoas que se regem por um determinado estilo de vida e que são movidas por interesses próprios. É por isso que, cada vez que leio o Y, sinto que aprendo ao mesmo tempo que me deslumbro. Parabéns ao Público e ao Y.

O elogio da Oxigénio
A frequência, infelizmente só acessível na zona da Grande Lisboa, é 102.6FM: Rádio Oxigénio. Cada vez que faço uma viagem para a capital, logo que começo a sentir o cheiro mais intenso a dióxido de carbono e assim que o horizonte começa a ficar entaipado pelos prédios dos subúrbios de Lisboa, aí estou eu a mudar a sintonia em busca da Oxigénio. Boa música, muito boa música a toda a hora (para quem gosta do género, obviamente) mas, acima de tudo, um bom conceito de rádio com um formato que lhe assenta que nem uma luva. Além da música (que é quase tudo), os animadores, os blocos informativos ligeiramente fundamentalistas e alguns concursos compõem um ramalhete de puro bom gosto e estilo.
A música. Já chateia tentar enquadrar os sons num qualquer conceito teórico (chamar-lhe alternativa/dançante seria o mais aproximado possível) e o que interessa mesmo, para quem gosta do género de música com que a Oxigénio perfuma o éter lisboeta, é o extremo bom gosto da selecção musical.
Os animadores. Seria suficiente invocar o nome de um dos principais mentores da Rádio Oxigénio: Isilda Sanches, uma menina que escreve umas coisas sobre música com grande conhecimento de causa e que já andou por projectos radiofónicos bem marcantes, como a suadosa X-FM (agora convertida numa razoavelmente interessante Rádio Voxx, em 91.6FM). Foi esta senhora que quando alguém lhe pediu para definir a Oxigénio, ela respondeu: "se a Oxigénio fosse uma pessoa seria alguém com quem poderíamos estar à conversa durante horas enquanto bebíamos uns copos". Resta dizer que os outros animadores alinham pela mesma filosofia Zen e fazem jus ao estilo "good vibrations"… mas com muita inteligência e bom gosto à mistura.
A informação. Nada de grandes pretensões, somente uma ressalva fundamentalista: o ambiente. São raros os blocos informativos da Oxigénio que, juntamente com o resumo das "gordas" do dia, não acrescentem informações sobre questões ambientais. E neste cadinho verde de informação cabem desde notícias internacionais sobre, por exemplo, o protocolo de Quioto (sem se coíbirem de uma visão crítica sobre o assunto ou mesmo lançar uns impropérios contra os não-signatários, entre os quais estão os EUA, por exemplo), a questões mais caseiras como, por exemplo, situações relacionadas com a qualidade de vida na capital. E o Santana que se cuide, porque estes meninos não têm papas na língua no que ao ambiente diz respeito. E ainda bem.
Resta dizer que nas noites de fim-de-semana reproduzem o programa do guru Giles Peterson, na Radio BBC one. Um mimo para os ouvidos mais exigentes.
Em suma, o slogan desta rádio não podia ser mais acertado: "Oxigénio, música para respirar". Bem fundo e a plenos pulmões, acrescento eu. Parabéns à Rádio Oxigénio.

This page is powered by Blogger. Isn't yours?