domingo, dezembro 14

A (des)construcção europeia

Confesso que fiquei verdadeiramemte desiludido com o fracasso da Cimeira dos chefes de governo e de estado europeus quanto ao tratado da constituição europeia. Principalmente porque sublinhou a já longa desunião da Europa desde a fatídica guerra no Iraque liderada pelos EUA. Perante uma presidência italiana da União Europeia incrivelmente pouco dotada ao nível da diplomacia (e estou a usar os termos mais suaves para caracterizar a bizarra política seguida pelo improvável Berlusconi), o fosso entre os países agravou-se e revelou que estes são tempos de descontrucção europeia. O que mais me desiludiu nem sequer foi o facto de não se ter chegado a um consenso quanto ao texto da Constituição- a questão foi tratada com uma displicente rapidez, numa tentativa de forçar o "despacha aí a aprovação da coisa" e, assim, pelo menos, o atraso de nova ronda de negociações para Março do próximo ano, já sob a presidência irlandesa, é o saldo mais positivo de todas esta salganhada. O que mais me desiludiu, ainda, nem sequer foi toda esta crise ter posto a nú uma Europa de diversas forças e vários eixos de poderes- todos sabemos que Alemanha, França, Reino Unido e Itália são os mais poderosos economicamente e, logo, os países com mais influência na liderança dos destinos do velho continente… mas convém perceber muito bem os limites da expressão "influência".
O que resta de tudo isto é o gosto amargo pelo silenciamento do ideal de Europa em todo este processo. Tudo se resumiu a um jogo de poderes, a uma querela entre as contas de merceeiro de estados que têm mais de lantejoula que de corpo (Espanha e Polónia) e a arrogância de estados com mais corpo do que inteligência, ou savoir-faire (Alemanha e França). É que se, por um lado, considero o eixo franco-alemão demasiado autista e perigosamente prepotente, mesmo ao ponto de admitirem uma Europa "a duas velocidades", por outro, a birra da Espanha e da Polónia quanto ao número de votos, só é possível porque os une o mesmo brilho ofuscante da vaidade e da presunção. Ora, a nada disto se pode chamar um grande debate sobre o futuro da Europa; quanto muito é uma zanga de comadres num qualquer regateio de feira!
Pelo meio ficou por fazer o verdadeiro debate: o da constituição europeia. Pelo meio ficaram também os cidadãos europeus, atónitos com o triste espectáculo das zangas entre os seus máximos representantes políticos. E no espírito de todos nós, desde os fiordes nórdicos aos arquipélagos portugueses, passando pelos expectantes Urais, mantém-se a questão essencial: mas, afinal, o que é isso da constituição europeia?

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