quarta-feira, março 3

Grande peixe, Olho pequeno



(A propósito do debate sobre o mais recente filme de Tim Burton, "The Big Fish", no blog Através dos Espelhos, dos amigos Tiago Araújo e Vítor Hermes)

"O grande peixe", o novo filme de Tim Burton, provocou em mim uma sensação dúbia de entusiasmo e estranheza. Mas só quando li os comentários do Vítor Hermes e do Tiago Araújo, no blog Através dos Espelhos, é que consegui racionalizá-la. E, meu caro Vítor, penso que não podemos resumir a análise de todo o filme somente ao brilhantismo do toque onírico de Mr. Burton. Esse toque está lá, inconfundível, nos ambientes saturados de possibilidades, nas imaginárias figuras e figurões, e principalmente num dos personagens: o pai. Ele é uma figura "Burtiana" até à medula, tanto em jovem (Ewan McGregor), como já praticamente avô. Tal como Batman, Eduardo Mãos de Tesoura, Ed Wood, ou Jack no seu estranho mundo, também o personagem deste filme carrega o fado da sua condição, que , neste caso, é a de ser um contador compulsivo de histórias. Mas é a opção de contar as histórias recheando-as de efabulações, e acreditando ao ponto de só se deixar morrer no interior de uma delas, que coloca o personagem no panteão dos heróis "Burtianos". Quanto a este aspecto, a perícia do realizador mantém-se inigualável. E estamos conversados.
Onde a porca troce o rabo, ou melhor, onde Tim Burton franze os olhos, é quando tenta resolver o conflito entre a magia das fábulas contadas pelo pai e o muito prosaico desejo de "verdade" do filho. Se Burton, em termos de argumento, quis mesmo ir por este caminho, não deveria ter filmado o pai com um grande olho de peixe e reservado ao filho não mais do que um olhar de esguelha. Ele descura-o, não gosta do personagem nem o explica convenientemente, e ficamos com a ideia de que o petiz simplesmente fez uma birra pueril contra o pai- até a ironia do jornalismo parece teimosia. O mesmo se passa com as outras personagens "reais", como a mãe ou o médico, claramente sub-aproveitadas naquilo que de mais valioso tinham para dar ao filme: a convivência com um homem de sonho(s). Este desleixo para com determinados papéis, na minha opinião, ensombraram o trabalho de um realizador para quem o cinema é o buraco da fechadura por onde se espreita o âmago das personagens, descobrindo-lhes as mais secretas pulsões. E se este filme se baseava no confronto entre duas pulsões diferentes, uma delas era a clara vencedora logo à partida. Isso descompensou o filme.
O desiquilíbrio nota-se até na realização e na montagem. Os flash-backs são oásis onde a história se refugia. A espinha dorsal do filme, o confronto entre as histórias fantásticas do pai e a vida real do filho, são cenas soltas sem fluidez e sem corpo. É um peixe cortado às postas este "The big fish". Resume-se a fazer desfilar uma sequência de gags geniais, repletos de onirismo e imaginação, interrompidos abruptamente por momentos altamente xaroposos de estilo (tele)novelesco. Tim Burton só se consegue verdadeiramente redimir numa das cenas finais, durante o funeral, quando todos os personagens das histórias reaparecem, não só na sua "forma humana" mas essencialmente repletas de ternura e cheias com a vida do homem que se cruzou nas suas vidas. Foi só nessa derradeira cena que eu acreditei em Tim Burton e no seu grande peixe.

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