terça-feira, março 16

A Espanha e a tentação isolacionista


Velasquez, a rendição de Breda, Museu do Prado (Madrid)


Honrando um compromisso eleitoral, José Luís Zapatero anunciou que vai retirar as tropas espanholas do Iraque.
Eu repito, honrando um compromisso eleitoral, uma promessa feita aos milhões de eleitores que votaram no PSOE. Zapatero parece acreditar que foi a presença militar espanhola no Iraque que caucionou os brutais atentados de La Tocha, e que foi essa presença militar e o envolvimento na coligação liderada pelos EUA que lhe permitiu vencer as eleições espanholas, contra todas as expectativas.
Era, portanto natural que Zapatero honrasse esse compromisso e se prepare para retirar da coligação internacional que sustentou a intervenção no Iraque e mande os soldados espanhóis para casa. O único problema desta legítima decisão é que ele pode ser confundida como uma cedência aos métodos bárbaros e assassinos da Al-Qaeda.
O dilema parece óbvio. Por um lado Zapatero e o PSOE sempre se mostraram contra a guerra e seria incoerente alterarem essa posição de fundo em virtude dos acontecimentos do 11 de Março. Por outro lado, o 11 de Março veio dar uma nova dimensão ao terrorismo árabe, que numa relação bipolar de causa e efeito, não é indissociável da Guerra do Iraque. Por isso, a decisão de abandonar o Iraque devia ser tomada com um pouco mais de prudência, analisando bem as consequências dessa medida. Zapatero parece um homem sereno e equilibrado e acredito que até à data anunciada para a retirada das tropas espanholas – dia 30 de Junho – a sua perspectiva sobre a intervenção no Iraque vá evoluir, sem com isso trair o compromisso eleitoral que, alegadamente lhe deu a vitória.
É que convém recordar que sendo a maioria do povo espanhol contra a participação do seu país na Guerra do Iraque, isso não era até à uma semana atrás motivo para retirar a confiança ao Governo PP, que caminhava para uma serena reeleição, apesar do Iraque e do Prestige, os dois episódios que mais abalroaram a popularidade dos populares.
Ou seja, Zapatero vai ter de encontrar até Junho uma forma de, simultaneamente, honrar os seus compromissos eleitorais e honrar os compromissos e deveres internacionais de um país que não se extinguem na mera alternância político-partidária interna.
A continuidade e a estabilidade são elementos fundamentais para a política externa e para as garantias de solidariedade duradoura e os laços que se estabelecem nas relações internacionais. Não são, é certo, elementos de política externa que devem subordinar a soberania política dos povos, mas Zapatero sabe, tão bem como todos os outros políticos responsáveis do PSOE, que a Espanha ocupa hoje um lugar determinante no plano internacional, e que não pode remeter-se subitamente a um casulo isolacionista, por mais fortes que sejam as pressões de “la calle” e as histerias populistas.
A Espanha não pode demitir-se do seu papel no Mundo, e como tal, não pode simplesmente abandonar o Iraque à sua sorte. Caso o fizesse, Zapatero estaria a subscrever uma terrível guerra civil e uma escalada da violência no Médio Oriente, e aí sim, a ceder aos genocidas desígnios da internacional terrorista.
O que Zapatero sabe, e quero crer que vai fazer, é reorientar a participação espanhola na reconstrução democrática do Iraque, que passará a ser feita no quadro das Nações Unidas e do Direito Internacional, e não à sua revelia.
Acredito que Zapatero tenha o bom senso de não hostilizar os EUA e, carregado de uma certa autoridade moral que o voto dos espanhóis massacrados pelo terrorismo lhe dá, possa ser uma personagem fulcral na definição de uma nova política, e de uma nova visão global sobre o problema do terrorismo e do médio-oriente, que neste momento encontra condições históricas para reunir um largo consenso internacional, o mesmo que não houve quando a coligação decidiu invadir o Iraque.
A eleição de Zapatero pode marca um ponto de viragem positivo para o problema iraquiano, enfraquecendo coligação e fortalecendo o papel das Nações Unidas, e consequentemente da União Europeia. Quero acreditar que as tropas espanholas vão continuar no Iraque, não como força de "ocupação", mas com capacetes azuis, para ajudar à construção da sua democracia.
Abandonar pura e simplesmente o Iraque seria um crime que Zapatero, mais do que ninguém, não pode cometer.

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