quinta-feira, agosto 3

Dizia-se por aqui: -Eu só quero chegar aos dezoito. A partir daí é bónus...

Aproveito o espírito do bairro, pouso os cotovelos nos braços torneados da cadeira e confio naquela coisa. Escrever em frente sem conclusão à vista. Como exercício menos que como desabafo, mas como exercício.
Lá atrás, aqui atrás do meu prédio eu e Zé estivemos a admirar as rachas na tinta branca que o 1º andar (do qual todos pinchámos nos anos noventa) já adquiriu. Chegámos a questionar se seria da má construção e, sabendo que há edíficios com 200 anos bem aparentados, não seria mau ponto de chegada. Foi ponto de partida e logo compreendemos que não era do empreiteiro. Nós é que estamos a envelhecer.
Havia nas traseiras do meu prédio um monte. O Monte do Grupo das Cabanas. Era uma montanha de entulho e terra barrenta que servia para cobrir os alicerces que hoje sustentam o que na altura eram "As Obras". Pois nós éramos daqueles que íamos brincar para "As Obras". Lembro-me que antes de montarem o primeiro andar víamos a Serra da Estrela da janela do nosso quarto.
Antes de saltarmos do primeiro andar para um monte de areia com quase o dobro da nossa altura, antes mesmo de alicerçarem o rés-do-chão ou as garagens, o Grupo das Cabanas tinha um lago onde podiam existir monstros longínquos. No Inverno fazia-se gelo nesse lago que o Joka furou um dia. Sacudiu a lama e foi mudar de roupa. Acho. Era um lago com 100 metros. Aos meus olhos de agora não passaria a dúzia. E digo-vos que se aquilo não fosse tão castanho, lá tinha nadado como se fosse um oceano sem fundo visível. Por tanto quanto eu sabia, podia ali estar a Fossa das Marianas. Nesse buraco construíu-se a casa para a qual o Aguiar foi morar, essa grande aquisição futebolística que muitas assistências me cedeu. Qual Cristiano qual Ronaldinho, marcou dos melhores golos que vi na vida. Lembro-me das sete e meia oito horas em que as mães e os pais vinham às janelas e marquises chamar para jantar. -Só mais um bocadinho... Essa vontade de estar fora, na aventura, ainda a tenho assim como as marquises não arredam pé.
Antes, fora desse lago-buraco, com os paldares dos tijolos erguíamos quatro ou oito paredes (uma vez 16) e com a palha seca do verão alcatifávamos as assoalhadas. Lá não chovia quanado cobríamos tudo com plásticos. Tínhamos um cão no bairro. Fomos o primeiro grupo, que eu saiba, a adoptar um animal de rua, na rua. Muito antes de serrarmos a primeira quarter-pipe que usei, fizémos uma casota que entre os estacionamentos durou mais anos destruída por um vizinho, que em pé encostada à garagem dele. E as boladas nas portas das garagens e os afundanços na porta da minha? Quando foram? Durante as corridas de skate e bicicleta e entre os intervalos para beber água.
Às onze da noite ouvíamos gente nos campos da escola a jogar à bola e íamos lá ter. Às onze da manhã também e íamos lá ter. Comíamos mini-milks no Latinos bar. E o primeiro caracol que saborei foi-me dado pela bela Bibi. E Nintendos e Master-Systems. E fogueiras para cozer batatas em panelas velhas. Tínhamos sal mas acho que não chegaram a cozer. Fogueiras! F-O-G-U-E-I-R-A-S-!
Fazíamos fogueiras a cinco passos da actual Escola de Condução Triunfo! Bora ver os Thundercats e o Agora Escolha! Já chegou a Mega Drive. E a bola furou-se atropelada por um camionista de propósitooo... E...
Tanto, tanto. Tanto... e muito mais.
João Alves Marrucho

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