segunda-feira, março 20

in PORTO 2: QUERO FALAR SOBRE MUITOS TEMAS AO MESMO TEMPO

E POR ISSO NÂO CONSIGO FAZER UM ESCRITO DECENTE

Não confundo "cultura com Belas Artes." Esse lapso é mais frequente fora da escola do que lá dentro. Isto então, não é um texto sobre cultura. É sobre o ambiente artístico que se formou no Porto nos últimos anos. Por aqui os mais parvos já acharam despropositada a expressão "ambiente artístico". Podem até ter parado de ler e ter feito um comentário gozão. Sorte a nossa que aprendemos depressa a manter a cabeça erguida em certeza da falta de compromisso que o mundo artístico exibe para os outros mundos culturais e, dir-se-ia, que se apruma mais ainda na farda displicente quando se analisa ou trabalha sobre si mesmo.
Deslocamos os nossos galhardetes para o divertimento sério. No Porto, há orgulho em ser um pouco sábio e por isso triste. Mas tal não se mostra, fica mal e parece pretensioso. Ninguém diz: -Está bonito mas estou triste!. Diz-se: -Gosto bastante do modo como metaforiza a ausência, o eterno falhanço da mediação. Maravilhoso, meu caro.

Nos últimos anos tenho acompanhado grupos de novos artistas lincenciados em pintura, escultura e design de comunicação. Comecei por ir ao Pêssego prá Semana. Sei que já tinha sido um atelier, função que deixou de cumprir, onde três amigos trabalhavam. Pêssego prá Semana é um nome estúpido que eles inventaram quando não tinham nada a dizer e queriam reacção... -Ouve lá... Três vezes quatro Pêssego prá Semana?... (pausa) -Hã?! (assim ou parecido mo disseram...). É um prédio devoluto junto à Igreja da Lapa que ainda hoje mantem um programa de exposições mais ou menos ritmado. Nunca ficou demasiado tempo sem uma exibição. Os pêssegos partilham amizades com os olímpicos. Uns mais, outros menos, uns com os outros, lá se visitaram mutuamente, trocaram artistas, críticos, curadores e muita arte.
O Olímpico foi um espaço expositivo anterior ao Pêssego. Esteve durante a sua existência sediado na cave do Salão Olímpico, um Snack Bar com mesas de snooker e matraquilhos. Na parte de cima, onde estava o bar, inaugurava a filha ou sobrinha do patrão e no piso inferior, estavam os artistas que decidiram fazer as aberturas sincronizadas com as festas mensais de sábado à tarde na Rua Miguel Bombarda. Entretanto pararam de programar apresentações. Alguns já têm galeristas, quase todos se ligaram ao circuito convencional. Existiram e ainda existem muitos outros projectos que têm tido menos visibilidade, para mim... Recentemente vieram os Senhorios com outro espaço, meio casa meio atelier e galeria. A Wasser Bassin que não é mais que uma sala com cerca de 24 metros cúbicos. A parede da Matéria Prima... O sótão do André, mais conhecido como Mad Woman in The Attic. Convivo numa base quase diária com pessoas ligadas intimamente a estes espaços. Estou mais ou menos a par e até contribuo, mas não me apetece nem julgo que deva tentar documentar todas as estórias que por lá passam ou passaram. Era-me impossível. Por estes espaços circulavam e ainda circulam pessoas dedicadas cujas façanhas lhes deram alguma visibilidade. Manuel Santos Maia, é uma dessas figuras incontornáveis do café Belas Artes que não fugiu a esforços para reunir gente artista. Dos seus apontamentos saíram várias exposições colectivas e muitas individuais. Eduardo Matos é outro, Miguel Carneiro, Francisco Roldão, Carla Cruz, Marta Bernardes... Estes e muitos outros têm caldeirões a fervilhar de boa vontade e trabalho. O "name droping" seguiria não fosse a falta de tempo...

Os novos espaços de exposição do Porto foram uma lufada de ar fresco. Em todas as vernissages há cerveja barata, pessoas interessadas e interessantes que falam em coisas que não aparecem nas notícias. Se aparecem, é no Mil Folhas. É bom olhar para as paredes decoradas de arte bonita e sacar um golo da garrafa de Super Bock fresquinha. Trocar a parede por um palco e assistir a um concerto de amigos e conhecidos que até gostam e estudaram música, ou não. A maior parte acredita na bondade, e quase ninguém gosta de teatro. Isso por si é um espectáculo. Apesar de tudo ser demasiado lúdico e irrelevante para a Maria Cachucha, é tudo gente séria, em ebulição.

Há uns anos a maior parte dos artistas que saíam das Belas Artes tinham a certeza que o trabalho não comunicativo era quase sempre bom. Ou pelo menos que, em Arte, não é preciso comunicar. Assim criaram-se códigos inacessíveis, ecriptaram-se piadas e muitos foram ficando solitários, herméticos. Com conversas de galerista venderam umas coisas e lá se foi a atitude coerente dos artistas autistas cheios de lábia pelo cano abaixo. Não ficaram registos nem entendimentos possíveis e apesar de todos os esforços para tirar a arte do museu, encaixotaram-se coisas frescas na despensa. A questão do público arrumou-se e só a muito custo se desenvolviam trabalhos dialogantes, sendo que uma conversa sobre um desenho num guardanapo de papel criava um ambiente de cortar à faca. Nem o público alvo se tinha em consideração.

Mas a nova geração, e somos para aí uns 100, lembra-se disso e cria código decifrável, mutável, fluído, ao mesmo tempo padronizável. Somos amigos e trocamos ideias... Ora vejamos: Duas Pinturas é um nome de duas telas pintadas do Luís Magalhães. As redes da Mafalda Santos são mesmo redes (sociais) e explicam o que acontece. As personagens do André Sousa são citadas. As fanzines do Senhorio trocam artistas e signos com as do Marco Mendes e do Miguel Carneiro. As figuras das novelas gráficas somos nós próprios e o Donald. As composições do João Marçal são desenhadas e/ou redesenhadas por outros. Os loops do Último andam pelo meu disco duro. And so on...
Os exemplos de cumplicidade existem na maioria dos trabalhos novos que se vão expondo e escuso nomear todos. As pessoas sabem o que fazem. Raramente se entende a manha, prefere-se sempre compreender a beleza das/nas coisas. Nada disto é novo e, repito uma frase de outro texto, é tolo aquele que acredita na originalidade como algo que deve tentar alcançar porque o novo é inevitável,blá bá, nada se repete, e agora apetece-me atirar uma cambada de conceitos mais artísticos para o ar: reciclagem, crítica, diálogo, colagem, cópias, amostras, discussão, sobreposição, valorização, anti-iconoclastia, edição, citação, direitos, culto da personalidade, documentação, tradução, identidade colectiva. Já niguém quer saber do segredo. He! He! Estou contente.

O MUNDO QUE NOS CHEGA E O MUNDO QUE FAZEMOS NOSSO

O modo como a evolução tecnológica está a mudar a criação é ainda muito confuso para a maioria dos consumidores. Tende-se a notar o pior. Há quem chame McDonaldização ao processo de construção colectiva de produtos e cultura.
"downloads gratuitos = crime
downloads gratuitos acompanhados de uns golos de Pepsi = liberdade! (...)
Se a Pepsi nos oferecer a Britney Spears lá havemos de gramar a Britney. É grátis." Um anúnico que apoia a música popular, vende Pepsi e promove a livre troca de MP3!
Do que não se fala é do similar processo de criação de códigos. Ninguém diz faca descartável porque uma marca X-Acto a fez em Portugal. Melhor, difundiu-se o Punk associado a um fenómeno de moda (Vivienne Westwood), trabalharam-se os New Order com design gráfico mui belo (Peter Saville). Livraram-se os garotos de dizer a faca descartável, conhecem-se os Joy Division no Japão e os Sex Pistols são famosos até à China. Isto pode enriquecer a ideia de que o processo de criação é melhor sucedido quando se tem em conta um público activo. Quando se repetem as palavras em frase diferentes. Quando nos fardamos de música e dançamos as vestes, ou pintamos flyers e imprimimos pinturas. Os artistas mais malucos, independentes e alternativos percebem o modo como a linguagem é construída mas normalmente constroem-na de modo individual. É aí que a cultura orientada por uma dezena de empresários em mútua vigilância e coordenação bate a cultura local, recheada de talentosos solitários, aos pontos. O esforço colectivo torna-se global e rentável. Em três letrinhas apenas: pop. Porque nos seus recursos, encontram-se infinitas possibilidades de falar do mesmo. De vender a novidade como se fosse única. O mercado liberal atingiu um nível de deslealdade no momento em que um país é criado, e para ser reconhecido, ou ser amigo dos Estados Unidos, tem que abrir o seu mercado de ideias aos produtos audio-visuais dos EUA. É no mínimo absurdo. -Viva! Já somos um país! He! 'bora construir cinemas para ver o Terminator 7!
Raros são os países que podem exportar o seu tomate mais que o ketchup da Heinz vende num dos seus distritos. Isso é mau mas existem soluções, como fizeram em Espanha. Aqui preferimos construir aeroportos e campos de golfe (porque há 20 anos alguém disse que Portugal cresceria muito com o turismo, como se o Dubai não papasse as classes altas e a Bulgária não tivesse casas à venda em deslumbrantes estâncias de esqui por menos de 20 mil contos! Como se Amsterdão com menos de 1 milhão de habitantes e sem Metro, não tivesse mais pessoas em turismo sexual e procura de diversão do que Lisboa. Lá é que despejam os bolsos no comércio local e não nos nossos shoppings, e em Londres e no Egipto e até na Grécia... É que nem Algarves nem campos de golfe ao lado do aeroporto. Quantos recibos pedimos nas noitadas de Portimão e quantos pensam que o Tiger Woods vai pedir? Muito poucos.)
Aqui gostamos de promover a subsidio-dependência da arte, em vez de se venderem todas as instituições culturais... Assim, seríamos pioneiros em mais qualquer coisinha... Tenho a certeza que se privatizássemos o património do Ministério da Cultura à PT poderíamos evitar cabinas telefónicas mal desenhadas e destruídas pelo pobre agarrado que se meteu na droga depois de chumbar à cadeira de Pintura dois anos seguidos. -Arranja-me uns trocos, sócio... Diz que é bom é responder assim: -É pá droga? -Não, estou limpo á 6 meses, é para sopa...
-Então não.
Sinto muito, mas não sinto nada.
Aqui vamos comprar mais um comboio de alta velocidade, que em vez de andar a 240km/h durante 5 minutos, desloca-se a uns inacreditáveis 340km/h! Assim, a população portuguesa poderá chegar a Atocha em cerca de 5 horas enquanto que o avião nos leva ao aeroporto de Madrid em menos de 1 hora e 30 minutos e a Berlim em 4 horas sendo que as tarifas são menos caras. Falta de pragmatismo...
Que vantagens? Parece-me que a principal vantagem deste ambiente é a durabilidade das nossas construções. Ainda temos belíssimas igrejas no Brasil. Acho eu.

MAS ISTO JÁ NÃO TEM NADA QUE VER CONNOSCO

O mundo vive agora a luta entre o consumo aleatório e o consumo da marca. Nunca pensei em afirmar isto: Agora estou pelo consumo da Marca. O Social Individualismo fraqueja e nós no Porto estamos discordantes e sincronizados. A Costura, as Belas-Artes, os Carrinhos de Choque e a Eléctrónica Chata são o mote para evolução cultural e tecnológica. Falo de uma geração educada pela americanização portuguesa que vivemos na década de 90, o espírito caótico e contraproducente pós 25 de Abril, que gosta de gostar. Uma nova emoção, que já residia nos versos de António Variações, que não estava mal ali, mas estava bem onde não estava. Vemos as facilidades e não os obstáculos, e somos honestos. Os portugueses são bons a contornar os esquemas, e sem se aperceberem construiram novos.
Enquanto a populaça se abstém de pensar nisso, o I-Tunes educa as suas crianças que quando não podem ver pornografia, tratam de a fazer. Não acreditamos sequer que nos roubem e forneçam informação editada. É tudo nosso. Ia começar a falar de controlo populacional e gripe aviária e nos vírus mortais como existências deficientes uma vez que o objectivo do parasita é não matar o hospedeiro... mas acho que já me estou a alongar.
Para finalizar: aqui, no Porto não temos medo, pensamos.

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