terça-feira, setembro 6

O homem na berma

Numa festa de aldeia. Foguetório, frango assado e bejecas em roda livre. As velhas abancadas em fila numa escadaria. O padre comanda a procissão. A banda desafina como de costume e o andor pesa cada vez mais. A moldura da aldeia é de cinza, mas o foguetório é obrigatório - "Já não há mais nada para arder". Pipocas, farturas e algodão-doce, tudo em pouca fartura. A banda Pimba puxa para a modinha, mas nada. A populaça de braços cruzados, espera, espera, e desespera a banda. Apenas três miúdos correm, os outros esperam pela sua senha de cerveja, ou pelo divina Misericórdia no largo da festa. A festa é xoxa. O GNR boceja e proibe pouco. O padre dá a benção e pira-se. As velhas cochicham pouco sobre o antigamente. Um homem de terno branco e gravata cor-de-rosa tem o nariz pintalgado de tinto. A cera das velas, poucas, derrama sobre o granito. O homem velho apoia a bebedeira à bengala. O outro homem velho ocupa um lugar no estacionamento. Está estendido, bem estacionado, arrumado no seu fato domingueiro sobre a berma. Alguém o abana com a biqueira do sapato. O homem ainda mexe, respira, não está morto. A procissão já passou, o GNR continua a bocejar e o padre já ressona. O homem cava a bebedeira de caixão à cova nas bermas da indiferença. Ao fundo, a banda insiste - "Aperta com ela". O povo não liga. A festa está morta, e daqui nada a cerveja também.

Comments:
Gostei... Parece que já lá estive ou se calhar era eu o homem estacionado!!
 
Excelente, como sempre...
 
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