sexta-feira, junho 17

Um Verde da Bandeira.

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""O seu olhar era oblíquo à passagem das raparigas / mas era um para o outro que sorriam." Estes versos foram escritos por Eugénio de Andrade, poeta que nos deixou mais pobres esta semana. Pobres porque ficamos privados do seu convívio (o homem foi a enterrar, os poemas, esses, ficam) e pobres também porque, num momento em que nos surgem notícias de casos graves de homofobia em Viseu, ele foi dos poucos poetas assumidamente homossexuais que na sua escrita enobreceram uma "orientação dos afectos", para usar as palavras de Mário Cláudio, que muitos no nosso país ainda pretendem apresentar como coisa sórdida. Fê-lo com a elegância que acima se constata e com uma grande lucidez. Poeta do corpo (e do espírito, acrescenta Agustina Bessa Luís, sua amiga) e do amor, nunca ele se referiu a este como um amor diferenciado, vergonhoso ou escondido. Podemos amar de maneiras diversas, mas o sentimento é o mesmo. É isso que não compreendem os preconceituosos e os que se orgulham da sua estupidez. Saibamos curvar-nos perante a memória de Eugénio e este ensinamento.
A propósito de preconceito, foi esta semana igualmente que ocorreu o arrastão na praia de Carcavelos de que tanto se tem falado. O infeliz acontecimento gerou uma onda de xenofobia pelo País que contraria a ideia que pudéssemos ter de que os últimos 30 anos tinham diluído o racismo entre nós. Mantinha-se, afinal, e foi-lhe dada ocasião para se exprimir - por alguma razão, aliás, os imigrantes africanos e seus filhos, já nascidos em Portugal, foram marginalizados e guetizados pela sociedade portuguesa e pelo próprio Estado. Podemos ser cada vez mais cosmopolitas, mas o preconceito relativamente à cor da pele mantém-se. Nenhum acto criminoso tem desculpa, é óbvio, e o que motivou os 500 jovens envolvidos a fazerem o que fizeram foi também o racismo. É preciso, no entanto, termos consciência de que os roubos e as agressões foram feitos por aqueles a quem ignoramos, recusamos trabalho ou empregamos apenas naquilo que não queremos fazer, colocamos em bairros degradados e obrigamos, na prática, a uma vida fora da lei e abaixo da dignidade humana. Os media fizeram o resto, com os exemplos dos gangs americanos e dos ataques nas areias de Copacabana. Como ouvimos alguém comentar, fomos nós os primeiros a invadir as praias natais deles. Acorrentámo-los e enfiámo-los em navios negreiros como escravos, submetêmo-los aos nossos desígnios colonialistas de expansão territorial e lançámos napalm sobre as suas aldeias. Esta foi a resposta."

E-mail enviado pela Anana, 17 de Junho de 2005

Bem haja sempre a quem distinga o trigo do joio.

: )

Comments:
Ora ai está um tema onde os óbvios preconceitos ideológicos e a mania de tudo alinhar que nem uma manada nas cantigas da esquerda ou da direita, vai ser apenas um fogacho e não uma excelente oportunidade para se discutir assuntos sérios, seriamente.

A esquerda contextualiza o que lhe convém

a direita diaboliza com a demagogia que convence.

E nós em que ficamos?
 
Rui, este texto pode apenas narrar esses versos das "cantigas de esquerda (...) que contextualizam o que lhes convém". Não avança soluções. É pena. Mas equilibra a balança. Ainda ontem, no Curto Circuito (program muita jovem muita louco da Sic Radical) o tema foi precisamente o do arrastão. Pousei a minha atenção em quatro ou cinco chamadas de telespectadores e não precisei de muito tempo para relacionar a cidade de origem dos telefonemas com o problema.
Quem para lá telefonou durante esses dez minutos vivia na linha de Sintra, na linha de Cascais e em Carcavelos... "Era fazer como na América onde até à terceira geração de imigrantes, quem fizer asneiras vai recambiado..." disse a moça de Carcavelos. "Pá, tásavê, qandera chaval tamém fiz as minhas porcarias! Mas agora com 28 nan tenho que fazer à vida. Mas issa culpa é diducação... Pá, a malta do arrastão nan devia era d'andar a competir cu guvern, tásavêr. U guvern rouba!" fez entender o moço da linha. "Dvia-séra investir n'educção... tásaver. Eu ós 16 deixei d'estudar p'a í p'á vida normal! de rua! pá... Insistiu. "Eu sô d'amadora e andei num liceu bué da problemático (...) e s'alguém me der troco a mais eu volt'atrás pa devolver! Os meus amigos dizem-me q sou otária, q'eles são ricos, que fizessem bem as contas..." falou uma moça que estava acabar a licenciatura.

Quem para lá telefonou não fui eu nem foste tu. Muito menos a malta de extrema direita que concocou uma manifestação (no Rossio, salvo o erro) contra o aumento de criminalidade. Há momentos que se tornam propícios à asneirada. E parece-me que este mail que publiquei não é um desses actos. Discutir assuntos sério, seriamente, não é fácil quando os ânimos estão exaltados. Tenho alguns colegas e amigos próximos aqui no Porto, de Setúbal, Santarém, Oeiras, que aqui chegaram completamente estigmatizados. Anormal seria que em vez de culparem quem os roubou vezes sem conta, se culpassem a eles. E são tipos instruídos. "Os pretos era mandá-los pa Africa!"
Eu já fui assaltado quantas vezes bastassem, quase sempre por portugueses de gema.

Se te lembrares de alguma solução mais séria, dispara.
 
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