domingo, junho 5

A cultura de estado e/ou o estado dessas coisas.

Quando se passa uma vista de olhos pelo Orçamento de Estado para 2005 constata-se que a cultura lá continua a receber uns trocos. Devem partir de um princípio de livre acesso à mesma, ou não fossem as importâncias dadas à sociedade da informação duas vezes suporiores às dos bancos dos nossos artistas subsídio-dependentes. Há no entanto algumas tautologias e um sentido pragmático que me obriga a achar isto tudo uma grande trapalhada. Criaram-se institutos estatais (o Português do Património Arquitectónico, o Português de Museus, o de Cinema Audiovisual Multimédia, a Cinemateca Portuguesa/Museu do Cinema que depois distribuem como bem entendem as dádivas do governo pelos projectos que mais lhes agradam. No Mapa OP-01 Ministério da Cultura, não se deslumbram apoios às artes de palco, nem às artes de rua... O Insitituto das Artes também me deve ter escapado, ou então a eles. Caso tenha sido um corte propositado, têm todo o meu apoio. Mas falta coerência.
A cultura existe por si, e quando necessita de 150 milhões de euros para sobreviver a coisa já está preta. Faltam medidas para evitar contradições deste género. Podem argumentar que não se pode parar de doar às instituições a-úteis (eufemizando) porque se o fizessem não havia ópera em Portugal, nem teatro, nem música, nem pintura, nem escultura, nem outras "artes em particular" (risos), acredito... Portugal nunca conseguiu criar gente, sumo teórico e empresas rentáveis que evitassem a extinção destas espécies artísticas. O Teatro de Revista, as editoras de Fado e música Pimba são duras excepções.
Porque não apostar no desenvolvimento destes exemplos de sucesso sem deixar de garantir a permanência dos antigos formatos espectaculares que agora estão moribundos. Para não gerar demasiada polémica, o estado podia transformar todos os edifícios que albergam associações culturais, em casas equipadas com redes Wi-Fi de livre acesso que faziam o que bem entendessem. Em vez de programadores culturais integrados em lobbies sofisticados, estariamos a empregar engenheiros de informática e técnicos especializados em artes do espectáculo. A web e a tal sociedade da informação tratariam de editar os conteúdos de forma orgânica. Este modelo podia ser aplicado às actuais Associações Culturais de aldeias e vilas que gastam o dinheiro em novos jogos de damas, mesas de snooker e bons baralhos de cartas e podia mesmo transformar por completo os teatros, casas da música e centros culturais. De momento são as bibliotecas que mais se aproximam deste modo de organização. A diferença é que elas são financiadas pelas autarquias, e o que se pretende é garantir o máximo autonomia aos Cyber-centros do Povo.

Como evitar o desaparecimento das artes mais nobres?
Em vez de se financiarem 30 companhais de Teatro, 100 museus, e 1000 outras casas de espectáculo porque não fazer uma selecção nacional de artistas, actores, comissários, encenadores e todos os outros empregados que giram à volta deste mundo (eleita em referendo, votada no parlamento, ou decidida via SMS...) para ocupar três ou quatro museus dedicados às velhas artes. Como os planetários, e os jardins zoológicos... não há um em cada cidade, pois não?

Como criar a independência económica dos cyber-centros?
Primeiro passo: assegurar imunidade aos processos judicias relacionados com os direitos de autor, de modo a não castrar a informação pela raíz.
Segundo passo: comprar todos os ISPs e torná-los parte integrante da sociedade da informação ou no pior dos casos, estabelecer protocolos de troca de informação (de livre acesso) com os mesmos.
Terceiro passo: empregar programadores para conceberem softwares open-source de modo a desenvolverem novos formatos de criação, edição e apresentação colectiva de conteúdos. Estes técnicos trabalhariam em parceria com uma espécie de selecção de esperanças (sub30) dos artistas que tinham ficado fora da Selecção Oficial por poucos votos.
Quarto passo: criar eventos temáticos pontuais, à semelhança do que fazem as cinematecas, pagos com bilhete.

Na pior das hipóteses, estes novos espaços não conseguiriam pagar as despesas por si. Nessas situações não se estenderia o chapéu ao ministério da cultura.
Programa Medici:
O Programa Medici seria uma conjunto de acções desenvolvidas a partir dos novos centros culturais de modo a angariar fundos a partir de publicidade nos próprios espaços físicos e virtuais. Uma espécie de mecenato privado que poderia ajudar o presidente da associação, ou outro bem intencionado, a comprar leitores/gravadores de DVD novos. Aproxima-se a largos passos a Casa da Música com instalações interactivas e lasers Smirnoff Ice, ou o Rivoli com Sony E-papers. Eles já não estão assim tão longe desse tipo de apresentação pública do espaço. Estão é pouco explorados nesse sentido e, pior, dependentes do contribuinte.
É imperativo acabar com o lazer financiado pelo contribuinte, que nem 30 dias tem de férias para aproveitar os 200 dias de actividades lúdicas proporcionados pelo estado.

Como subsistiriam os artistas emergentes que nem sequer estariam na Selecção B?
Consultoria, MacDonalds, galerias privadas, arrumar carros, pilotar aviões, engenharias electrónicas, matemáticas, dentistas, empresários, design... tudo menos apoios estatais. A parte fixe, é que a maior parte desses artistas, nem sequer chegaria ao mercado da arte, pois este processo necessitaria paralelamente de um corte de vagas no ensino artístico estatal na ordem dos 40, 50 ou mesmo 60%. Convinhamos, que a produção excessiva de artistas não ajuda à retoma económica.
"Ah! issé por causa da função pública que num faz um nada e estou 3 horas nas filas da loja do cidadãopa ter umamérda duma certidão de nascimento para provar ao banco que nasci!" Quem não faz nada de útil é preterido naturalmente pelas "regras do capitalismo" e não nos precisamos de preocupar com isso. Muito menos com os que ficam de fora.

Podemos sempre achar isto tudo uma trapalhada ainda maior e pensar que se calhar o melhor é mesmo continuar tudo igual.
Ou se calhar, melhor (terceiro plano), porque não demolir todos os edifícios que prestam serviços culturais finaciados, e com os destroços, construir uma (...) muralha nas zonas fronteiriças, aproveitando os pianos de cauda da casa da música, os monitores dos palcos, as cadeiras das bancadas dos estádios, as esculturas do Chafes, as mais pesadas do Cabrita, e os aviões da Defesa, para conquistarmos a independência de Espanha, "bombardeando" o Reiña Sofia com objectos não explosivos.
Quem é que está numa? A revolução será televisionada, difundida e criada em tempo real pela web!

Publicado no fbaup.blogspot.com.

Comments:
Joãozinho pá, apesar de concordar genericamente contigo, acho que o grande problema da cultura em Portugal é ter talento a menos e mentalidade subsidiária a mais. Um bocadinho de auto-suficiência não faria nada mal a alguns patéticos artistas a soldo de vários regimes.

Olha, por exemplo uma óptima ideia que vi no Recife. Uma Lei Federal obriga todos os construtores de prédios a colocar no espaço fronteiro do edifício uma escultura de um artista pernambucano, submetido a concurso público. Isto sim é uma boa forma de apoiar a arte e não o punhetismo criativo cá da terra.
 
Quanto ao apoio do Estado às artes ditas tradicionais e genericamente dependentes de subsídios o problema seria como sempre não a quantidade dos apoios, mas a qualidade dos apoios, e isto significa que em Portugal não existe uma verdadeira política cultural - que está para além das legislaturas - mas sim uma cultura politizada, ao sabor de conveniências estritamente politico-partidárias. É este brochismo de que falava César Monteiro, que torna o sistema de apoio à cultura um verdadeiro postíbulo. Mas a cultura e a arte são noutros países autênticos mercados que se regem por regras próximas da economia de mercado, com tão bons resultados do ponto de vista da liberdade criativa.

Não se pode subsidiar e apoiar a larga escala arte e cultura que sirva exclusivamente para o próprio criador e meia dúzia de críticos mais eruditos e exclusivistas se embevecerem uns aos outros.

Esses são os tipos de apoios que deveriam ser reservados a conta-gotas para quem de facto tem obra consolidada e precisa do apoio para prosseguir o seu trilho.

Com o dinheiro que se poupava nos outros - aqueles que se acham génios e que apenas um grupúsculo de indefectíveis consegue suportar- com esse dinheiro podiam-se comprar, por exemplo uma valente dúzia de máquinas de filmar para dar aos putos para fazerem documentários.

Mais do que sustentar pseudo-artistas, o Estado devia reservar o seu apoio no incentivo à arte e cultura dando aos jovens criadores alguns meios para poderem voar.
De qualquer forma acho muito estimulante e original o teu artigo, e era capaz de dar uma boa leitura para a nossa Ministra da Cultura.
 
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