quarta-feira, fevereiro 9

As ideias perdidas. (Direito de resposta)

Na sua coluna de Quarta-feira (hoje), 9 de Fevereiro de 2005, o professor universitário Eduardo Prado Coelho, descreveu com a sua habitual lucidez o desorientamento cultural evidenciado pelos portugueses que concorrem às legislativas. Não sei se mais alguém já tinha notado nisso ou se foi só ele que vislumbrou o fenómeno.
"Neste momento, a cultura não merece grande transformação. Precisa apenas de começar a existir." A culpa é dos actuais responsáveis políticos diz o Professor. Cinco linhas depois formula uma sequência de questões que pecam por serem apenas retóricas.
Como muitos, ando farto da arte de bem falar e expor ideias que façam o público descansar com a sensação que anda alguém a lutar e a pensar na cultura que produzimos e vivenciamos. Ainda mais quando os escritores, críticos e filósofos do nosso país não têm por hábito sugerir medidas muito menos medidas com consequências pensadas. Por isso vou tentar responder sucintamente às perguntas (que E.P.C. faz na tentativa (sempre quixotesca) de fazer mexer Portugal).

Uma por uma:

"Que se passa com a nossa política externa no plano cultural?"
R: Dos políticos, não sei. Porque nunca foram grandes embaixadores da nossa produção de significados, poucas vezes foram instituições políticas as responsáveis directas por qualquer exportação do produto cultural português.

"Qual a arquitectura proposta?"
R: Não me digno a responder a esta. Pelo total desconhecimento dos planos do governo. Sempre foi assim porque ninguém ganha eleições a prometer DVDs mais baratos.

"Como se vai dar formação aos funcionários públicos?"
R: Os funcionários públicos são (além dos ranchos folclóricos e da bandeira) aquilo que de mais "português" temos pelas nossas terras. Uma óptima fonte de ideias para "o nacional porreirismo". São os principais representantes do relaxamento do nosso país. Os mais subservientes homens da primeira trincheira, sem hipóteses de abandonarem o trabalho que já escasseia por estas paragens. São também alvo constante de críticas dos trabalhadores liberais que vão moldando as ideias e atitudes dos políticos.

"Qual a solução para o estatuto dos artistas?"
R: Qual estatuto? Qual é o problema? Pobres de talento ou talentosos pobres? Falta de apoio financeiro? Há muitas coisas por fazer em Portugal onde a mão e a autonomia de pensamento dos artistas dava muito jeito. E às vezes até pagam melhor do que numa galeria a montar exposições, ou num teatro a picar bilhetes aos amigos. Verdade seja dita: Não respeito a arte. Respeito sim, quem trabalha. E saiba, meu caro, que já estudo na área há 10 anos. "Estamos muito indignados com a actual paralisia dos subsídios pontuais!" Tivessem feito como fez um amigo meu cujos os pais não tinham possibilidades de lhe pagar um dos cursos que implica mais gastos aos discentes em Portugal, foi para medicina. Agora fotografa alergias a cores, emoldura-as e vende-as por uma pipa de massa. Ou outro médico que usa a técnica do desenho para explicar aos seus clientes que tipo de intervenção cirúrgica lhes será aplicada. Está agora a expor ao lado de nomes como Pedro Tudela, Baltazar Torres, Pedro Maia...
Enfim, a aura da arte dá manias aos artistas...

"Que se passa no domínio da descentralização?"
R: É só uma questão de visibilidade. Vão-se passando coisas que apenas são fixadas pelas fotografias dos amigos, pelas reportagens da rádio ou dos jornais locais. Valha-me a minha naturalidade Fundanense, para enobrecer o modo como sou tratado. Quanto ao resto, a culpa é do Governo! Não é? É sempre...

"Que é isso de prometer já uma Capital da Cultura em Évora quando ainda não se conseguiu este ano fazer arrancar a capital em Faro?"
R: Não sei.

"Que ideias se tem para defender a língua portuguesa?"
R: Partindo do principio que ela está a ser atacada: Talvez pudéssemos continuar a falar em português. Não vejo que mais possamos fazer... Ou quer ensinar todo o inglês que vem ao Algarve (que sabe encontrar um restaurante antes de mim)...
Continuemos a falar em português apesar dos atentados, porque quem atenta contra um código estabelecido, por centenas de anos de evolução linguística, não merece aprender muito mais do mesmo se não demonstrar um pouco de humildade. Conhecimento é poder.

"Quais as relações entre cultura e urbanismo?"
R: Toda a produção cultural nos reflecte. A cultura é um conjunto de "lugares comuns", de signos e metáforas partilhadas por uma comunidade ou uma civilização e, certamente, hoje em dia, pelo mundo. Um mau exemplo de uma má medida de gestão urbanístico-cultural é a nova campanha de sensibilização dos utentes do metro do Porto. Deste género: Se vir alguém a pintar nas paredes, denuncie o caso. Telefone para a linha azul:(...) Não suporte o vandalismo! Com fotomontagens de dois jovens bem aparentados a limpar uns Tags grafitados nas paredes.
O Metro é bonito limpo, como está agora. E os idiotas que imaginaram a campanha, que não devem querer esta paz visual por muito tempo, já começaram a dar ideias aos putos do "spray". Qualquer cidade vai inscrevendo naturalmente nas suas edificações a sua situação, e não vale a pena lutar contra isso. De todos os modos, podiam ter ocultado a informação dos skaters, pouparem nas gigantescas lonas desenhadas por designers e terem investido numa tinta anti-aderente. É como a nova e inconsequente proposta de proibição da cruz suástica (que nem sequer foi imaginada durante o Nacional Socialismo Alemão). O fruto proibido é sempre o mais apetecido. Abaixo a iconoclastia!

"Em que medida é que a cultura altera o quotidiano?"
R: A cultura acontece todos os dias. Não é por entrarmos num teatro que passamos para o espaço da cultura. "Esta é a casa de Deus. mas não se esqueçam. ele está no meio de nós! É omnipresente." Os museus e os teatros já não têm, como todos sabemos, a legitimidade suficiente e exclusiva para afirmar o que é e o que deixa de ser arte.

"Qual deve ser a política das bibliotecas públicas?"
R: Devem informar gratuitamente e permitirem a cópia dos conteúdos de tudo o que é protegido pelo direito (paradoxalmente) universal do "copyright". Têm a obrigação de se equipar com as actuais tecnologias que permitem um mais fácil acesso à informação. Devem ter técnicos informáticos a trabalhar a tempo inteiro, e por turnos. Impressoras e papel reciclado à disposição dos utentes por preços simbólicos. devem estar abertas 24 horas por dia. Qualquer atitude de negação do acesso ao conhecimento é ditatorial, egoísta e indicia interesses secundários de intenções duvidosas.

"Como dar vida e animação aos teatros?"
Tornando obrigatória a presença dos deputados nas assembleias quer municipais quer na da república. O incumprimento desse dever poderia ser punível por lei, mas também não devia ser crime. A televisão do estado deveria também ter a obrigação de transmitir a sessão do parlamento em directo e em diferido durante o dia todo, num canal aberto (sem fazer parte dos pacotes Cabovisão, TvCabo). As sessões também poderiam estar arquivadas num servidor estatal e optimizadas para descargas (downloads) de outros pontos de acesso.

E assim por diante até à abolição da propriedade intelectual.
Para a próxima, caríssimo Eduardo Prado Coelho, não fale nos artistas porque pode haver mais algum que não abdique do direito de resposta.

Cordialmente:
João Marrucho.

P.S.: Apesar de ter enviado o e-mail para o Público, acho que não vão publicar isto.

Comments:
foi giro teres utilizado o cordialmente típico do oliveirinha, só é pena não seres o mesmo autor… mesmo assim é engraçado o texto, manda-o para o JF.
 
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