quarta-feira, novembro 10

Foi você que pediu um Dabliú Bush ?

Uma certa ideia da América ou uma América de certas ideias


Conforme se previa, ou pelo menos eu previa, o Georges W. Bush venceu sem margens para dúvidas as eleições na América.
As ondas de choque nas mentes iluminadas da Velha Europa continuam a fazer-se sentir, procurando rapidamente bodes expiatórios e formas de contextualizar como é que no berço da democracia ocidental é possível eleger um autocrata com tiques de imperador Smith (lembram-se do Lucky Lucke).

Os apressados politólogos de pacotilha, que somos todos um pouco, tal como treinadores de bancada, já identificaram a “causa do mal”.

Em primeiro lugar, o senador John Kerry, antes símbolo da esperança de um novo mundo, ou de um novo vento de esquerda a soprar no mundo, e agora passado à condição de débil, fraquexixas e irresoluto.
De bestial a besta, pobre homem, que agora terá de buscar conforto nas medalhas de guerra que agitou ufano durante a campanha (e que lhe valeram alguns amargos de boca) e no colo milionário da Senhora Kerry Ketchup.

O segundo culpado da desgraça que se abateu sobre o mundo é, naturalmente o povo americano, ou seja toda aquela massa de “red knecks” que bebe Jack Daniels, enquanto se embala na cadeira de balouço no caramanchão com uma caçadeira no colo, para matar comunas, árabes e extra-terrestes, e que vai à Igreja evangelista diabolizar os “modernismos” da outra América dos chiques e dos Europeus.

A tal outra América, mais europeia, mais benzoca e bem informada, literata, com mundovisão, que vai a exposições, vê filmes é criativa, inventiva e tendencialmente de esquerda.

Mas esta é a América minoritária, e apesar de tudo, a grande força da democracia é sabermos aceitar a vontade da maioria, mesmo que dela discordemos.
É perturbador ter de recordar isso aos pseudo-democratas que só o são quando os resultados lhes convêm. A tentação totalitária está tão presente nestes espíritos, como naqueles que aclamam a ditadura das maiorias. A linha divisória é ténue.

Na minha opinião, estas eleições tiveram um efeito positivo, que foi dissuadir os anti-americanistas primários de ver na “americanada” um só povo ululante e fascista, burro e militarista.
Pelo menos estes evangelistas do euro-centrismo perceberam de uma vez por todas que há mais do que uma América, há pelo menos duas, e se virmos com um pouco de atenção, descobriremos muitas outras.

É que convém não esquecer, que apesar da sua unidade formal e federal, os EUA são um continente, sensivelmente da dimensão da Velha Europa.
Acho insuportável que para atestar a “burrice” e a ignorância dos americanos e do Dabliú Bush, nos sirvamos dos estafados “gags” deles não saberem de cor e salteado o nome das capitais europeias e dos nossos notáveis líderes.
Pergunto-vos eu, e nós sabemos o nome da capital do Michigan, do Ohio ou do Tenesse.
Sabemos o nome do governador do Massachusets?, ou que Salt Lake City é a capital mórmon do mundo?
O Bush se calha não sabe que o vinho do Porto é produzido em Portugal, mas tenho a certeza que o Santana Lopes também não sabe onde é produzido o “Jack Daniels”.

Em matéria de desconhecimento e ignorância não podemos arvorar a nossa superioridade à sombra de uma história secular, onde figuram algumas manchas morais importantes – as cruzadas, o extermínio dos Maias e Incas pelos espanhóis, os abusos e exploração dos portugueses, as invasões napoleónicas, o sôfrego mercantilismo holandês, o orgulho e tirania imperial britânica, a Alemanha de Hitler, a Itália de Mussolini.
Não temos uma história para nos gabarmos aos americanos em matéria de direitos humanos e liberdades individuais, e eles também não.
Por isso, a via do moralismo histórico é sempre um pau de dois bicos.

Depois há a questão da escala continental.
Achamos que na América, mandam os fanáticos religiosos, os grunhos do Midwest, porque são milhões. Queria só propor o seguinte exercício multiplicador.
Imaginem que subitamente a França multiplicava a sua população por dez, ou por vinte.
O que acontecia, é que as regiões rurais, fortemente conservadoras e retrógadas, de um direitismo ultramontano atroz, passavam a ter um papel decisivo na eleição do presidente.
Não duvido que se isso acontecesse, Jean Marie Le Pen seria o futuro presidente da França.

E na Alemanha, na Itália, em Espanha, e mesmo em Portugal, o exercício é possível. Ou achamos que os “Américas” detêm o exclusivo dos grunhos, dos ignorantes, dos preconceituosos.
Em Portugal não há disso, nos velhos domínios do Cavaquistão? Pois não. Até parece que com esta febre anti-americana nos esquecemos o nome do nosso primeiro-ministro, do nosso ministro da defesa.

Os americanos têm senadores neopotistas que designam a filha (inepta) para lhes suceder, conforme aconteceu no Alasca. E nós?
Temos o Avelino Ferreira Torres, a Fátima Felgueiras, o Isaltino Morais, a Edite Estrela, o Valentim Loureiro.
Diria que à nossa escala estamos bem servidos de trafulhas.
Os americanos que se amanhem com o Dabliú Bush, já que o escolheram, e nós?
Nós que nos amanhemos com um governo ilegítimo liderado por um falsista, os italianos que se amanhem com um Berlusconi, os franceses com o Chirac, os russos com o Putin.

Acho que já era tempo de irmos olhando mais para o espelho, menos para o umbigo, e muito menos para os preconceitos que nos são incutidos sobre os outros.
A América não é melhor nem pior do que nós.
Os americanos (grunhos ou letrados) não são nem melhores nem piores do que nós.
A única diferença é o poder, e isso, infelizmente faz toda a diferença.
Eu nem quero imaginar o Santana Lopes ou o Berlusconi como presidentes da América, e o Portas como secretário da Defesa.
Acho que era gajo para votar no Bush.

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