sexta-feira, outubro 22

Santos - Teatro...Prática ou Fuga?

"Foi a primeira vez que visitei este blog. Deparei-me logo com um texto sobre teatro: "... preferia prática". Fiquei naturalmente contente pela ideia de falar sobre algo tão raro e que tanto prezo. Descobri o Pedro que fala de teatro! Descobri depois que o pedro é o Fiuza, que é actor. Óptimo, sabe do que fala.Olá Fiuza. Vamos falar de teatro? Mas de teatro, não de masturbações intelectuais ok?
O teu texto que prefere a prática é muito giro. Começei por ficar aliviado depois de perceber que falas de ti. Gostei. A tua visão do estado de sitio em que se encontra o teatro é ao mesmo tempo ternurenta e violenta. Quando referes aquilo que o poder faz ao teatro... nunca podia estar mais de acordo. Já não estou de acordo quando clamas pelos actores, quando os criticas dessa maneira... cuidado, estás a falar de ti! Não há pior actor do que aquele que reclama dos outros aquilo que não faz.È desde logo um mau colega. Mas... certo, eu percebi que não gostas de citações corporativistas, que és diferente, único. A tua visão é revolucionária, cheia de tudo e vazia de nada certo? Estás fora do sistema, podes criticá-lo, não lhe deves nada nem ele te deve nada a ti. É óptimo para ti e muito mau para o público que dificilmente verá um dia a tua clara e transparente representação do terrorismo teatral, da morte no palco, do actor que mente tão descaradamente que nos faz acreditar que é ele mesmo, ali, à distância do cheiro e da mão. Subscrevo a tua visão intensa do ser-se actor num teatro diferente, subversivo, actuante. Um actor conhecedor do mundo que intervenha com a sua arte para o melhorar. Pergunto: quando o actor faz rir ou chorar, melhora o mundo? Mesmo que as razões porque faz rir ou chorar tenham simplesmente o objectivo de fazer rir ou chorar? Eu acho que o bom teatro é aquele que nos desperta sentimentos, aquele que me faz sentir o actor em mim próprio, aquele que me faz rir ou chorar de mim próprio... percebes? O teatro como processo industrial tem esse problema: pode transmitir sentimentos mesmo mal representado, ou melhor, mesmo sem rigor. Se vou ao teatro e consigo rir é óptimo, se consigo chorar é óptimo. Sinto que estou vivo. Será que só por isso tenho de me distanciar dos sentimentos e desatar a avaliar técnicamente o actor? a descobrir os seus erros? as suas incoerências? mesmo aquelas inerentes ao facto de ele estar num grupo do sistema? digo NÃO.
Eu percebo a angustia, percebo a revolta. Não percebo a desistência, a fuga de ti próprio. Não percebo como, por exemplo, não entendes a revolta dos outros.Não percebo porque é que não fazes teatro. Vi-te uma vez e confesso, gostei daquilo que me prometeste. Mas assim, estou a perceber que poderás vir a ser, como tantos outros actores falhados, um critico ácido, azedo, pulverizador quimico de uma arte que o não compreendeu. Adivinho naquele teu texto, um defensor envergonhado de causas. Causas que, acho eu, não percebes. E não percebes porque não falas de amor, não falas de paixão, não falas de solidariedade, não falas... mas falas de morte. A propósito, conheces aquela história do actor e encenador do Porto (penso que o conheces) que pediu um subsidio para representar a sua própria morte em palco? È loucura ou redenção? Loucura ou excentricidade? Loucura ou megalomania? E quem pagava o enterro? É verdade, o enterro fazia parte dos custos de produção! Felizmente ainda não se patrocinam subsidios em directo, ainda por cima em representação única. Bem, seja como for não acredito que subscrevesses esta ideia ainda que ela seja o teatro do fim que tu defendes. O teatro na sua máxima representação da vida: a morte.
Apesar de não estar totalmente de acordo, confesso que gostei de ler o teu texto. Revela reflexão, desperta o debate ainda que de pressupostos tristes e de uma abordagem demasiado deprimida e angustiada. Já não gostei nada do outro em que assumes o papel do critico de teatro. Ainda por cima falando dos amigos. Por mais que gostes do encenador, ele não precisa que tu lhe chames nomes. Não acredito que ele goste que lhe chames mestre do teatro português. Além de que esses títulos normalmente só fazem mal. Não é? Mas pior do que isso, foi a defesa daquilo que no texto da prática criticavas ferozmente. Afinal já existem mestres; afinal já existem actores bons (mesmo no sistema); afinal aqueles que se revoltam apenas querem o poder? Ainda por cima não o sabem tomar. Já te perguntaste se eles o queriam mesmo? Por melhor que tenha sido o espectáculo (e acredito que tenha sido bom) não acredito que seja suficiente para de repente mudar drásticamente o teu pensamento tão profundo da prática. Quem é que agora está a ser incoerente? A não ser que haja aqui qualquer coisa que não compreendo... a causalidade. Foi o espectáculo que te motivou o texto, ou o texto que te levou ao teatro? Aquele teatro que apenas sobrevive para justificar os dinheiros públicos - subsidios - aquele teatro que vive do engano, não da mentira porque essa faz parte da arte. Aquele teatro que alimenta os tais animais de secretaria, vampiros da arte que ao mesmo tempo amordaça e trata mal. Já sei... o pior do teatro são os actores. Tudo seria melhor, se não fossem preciso actores que pensassem por si. O teatro era melhor. Onde é que eu já ouvi isto? Quero acreditar, por pior que seja a razão, de que o verdadeiro autor do texto da prática não é o do mesmo tempo da outra vez. Senão lá vou ter que dizer: hipocrisia... outra vez.
Finalmente: será que te vou ver de novo a fazer teatro? Mas sou sincero: quero ver-te no teu teatro não naquele.Só assim poderás ser encarado como um actor honesto que defende causas, que mais não sejam, suas. E já não é pouco!"


Enviado por email por J. Santos em 22/10/2004



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