quinta-feira, outubro 14
José Vilhena, o provocador
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Foi esta semana distinguido, com o único prémio ‘sério’ de O Inimigo Público, uma das vozes considerada mais incómoda da segunda metade do século XX. Franco atirador da literatura, humorista temido, pintor, José Vilhena semeou milhões de gargalhadas e fez da ironia uma arma de arremesso contra a hipocrisia. Apesar de já ter sido processado seis vezes depois do 25 de Abril, a voz de Vilhena manteve-se incisiva e crítica perante a realidade que nos cerca. Salazar, Caetano, Sá Carneiro, Eanes, Soares, Cavaco, Guterres, Santana Lopes, entre muitos outros, são a sua matéria de criação. Um dia, com o brilho nos olhos próprio de quem conhece o valor da palavra, disse-me que a política é uma porca que, de quatro em quatro anos, pare uma ninhada de deputados. Talvez porque, segundo Vilhena, um bom humorista está muito ligado a uma crítica política, a uma crítica de costumes e a uma crítica dos poderosos.
Onde é que o humorista vai buscar inspiração para os seus trabalhos?
Eu vivo muito à custa da televisão. A televisão é um motivo de inspiração. Hoje a televisão é o poder, nós já não somos governados por um governo ou pela Assembleia da República, nós somos governados pela televisão. Hoje a televisão é quem manda neste país.
E qual é o laboratório do humorista?
Muitas vezes é a própria vida, as relações que se estabelecem, outras vezes são as coisas que se lêem.
A ideia é um relâmpago ou é trabalhada?
Às vezes, a ideia surge por acaso, outras vezes é preciso trabalhar a ideia. As coisas não surgem por inspiração divina. O treino diário acaba por ser fundamental.
> Antes e depois do 25 de Abril José Vilhena sempre zurziu a tv. O Canal Zero, um livro que 0 autor assumiu como "Um Modesto contributo para o estudo da idiotia em Portugal".
Mas afinal quem é o José Vilhena?
Nasci em Figueira de Castelo Rodrigo. Vim para Lisboa muito novo onde fiz o terceiro ano do liceu, depois mudei-me para o Porto onde concluí a escola. Faço a Faculdade de Belas Artes no Porto, mudo-me outra vez para Lisboa, onde concluo o quarto ano de Arquitectura. É nesses anos que começo a trabalhar nos jornais e a fazer bonecos, até hoje.
As pessoas têm ideia do José Vilhena como o verdadeiro anarquista. Esta ideia corresponde à verdade?
Corresponde à realidade e eu sei que é essa a imagem que o público tem de mim.
Humorista, ilustrador, escritor, editor e pintor. De todas estas facetas, qual é que prevalece?
Se eu fosse muito rico só pintava. A minha grande paixão é a pintura.
Quantas vezes é que foi processado?
Já depois do 25 de Abril fui processado 5 ou 6 vezes, mas o processo maior foi o da Carolina do Mónaco, em que ela pedia 75 mil contos, no entanto, felizmente, venci em tribunal. Depois tive outros, como o da Margarida Marante, o da Caras Lindas, da Bárbara Guimarães e da Catarina Furtado.
Acha que o português lida mal com a ironia?
Eu acho que não. A maior parte dos portugueses tem muito fair play. Eu chateei muitos políticos, como o Soares e o Cavaco. Por exemplo, o Mário Soares chateei-o de todas as maneiras e feitios e até lhe dediquei um livro. Soares escreveu-me a agradecer.
O que é para si um bom humorista?
Um bom humorista está muito ligado à crítica, a uma crítica política, a uma crítica de costumes e a uma crítica dos poderosos. Os poderosos têm a mania das grandezas e tudo isso é destruído com o humor. Quando se ridiculariza uma pessoa toda aquela proa vai por água abaixo. Foi o que aconteceu com essas vedetas da SIC que estão convencidas que são supra-sumos da inteligência portuguesa. Quando são ridicularizadas, chateiam-se, é claro.
Uma das personagens-tipo que José Vilhena criou foi a do censor. A censura incomodava-o muito?
Incomodava toda a gente, se bem que a censura nas revistas humorísticas dava uma certa abertura que não dava nos jornais. Acontecia muitas vezes eu fazer um boneco para o Diário de Lisboa e ser cortado pela censura. E depois passar no Mundo Ri.
Vilhena de padre em filmagens no Jardim das Tílias no Fundão
Curiosamente o Mundo Ri que era composto e impresso nas oficinas do Jornal do Fundão...
Não só o Mundo Ri. Também os meus primeiros livros foram compostos e impressos nas oficinas do Jornal do Fundão. Eu ía lá muitas vezes por causa disso.
Nessa revista também chateava muito os padres...
Eu acho que a Igreja sempre foi responsável por uma quantidade de atrocidades através dos tempos. Nunca se há-de livrar das patifarias que fez ao longo de dois mil anos. A Igreja católica era um apoio do Estado Novo, era um apoio do fascismo.
José Vilhena rodou um filme no Fundão. Como é que se chamava o filme?
Chamava-se O Quinto Pecado.
Qual é que era o «quinto pecado»?
A história do filme andava à volta de uns tipos que só pensavam em comer, sem nunca o conseguirem. Era um filme burlesco que tentava misturar Charlot com Jacques Tati.
José Vilhena escreveu cerca de oitenta livros. Qual é que é o seu preferido?
- Gosto muito da trilogia da História da Pulhíce Humana. Mas tenho orgulho em todos os livros que escrevi.
Sendo o José Vilhena um homem de muitas palavras, qual é a palavra que melhor fala de si?
Trabalho. Só vejo a palavra trabalho.
(excerto de trabalho publicado no Jornal do Fundão de 14-12-2002)
Capas de revistas dirigidas por José Vilhena
Foi esta semana distinguido, com o único prémio ‘sério’ de O Inimigo Público, uma das vozes considerada mais incómoda da segunda metade do século XX. Franco atirador da literatura, humorista temido, pintor, José Vilhena semeou milhões de gargalhadas e fez da ironia uma arma de arremesso contra a hipocrisia. Apesar de já ter sido processado seis vezes depois do 25 de Abril, a voz de Vilhena manteve-se incisiva e crítica perante a realidade que nos cerca. Salazar, Caetano, Sá Carneiro, Eanes, Soares, Cavaco, Guterres, Santana Lopes, entre muitos outros, são a sua matéria de criação. Um dia, com o brilho nos olhos próprio de quem conhece o valor da palavra, disse-me que a política é uma porca que, de quatro em quatro anos, pare uma ninhada de deputados. Talvez porque, segundo Vilhena, um bom humorista está muito ligado a uma crítica política, a uma crítica de costumes e a uma crítica dos poderosos.
Onde é que o humorista vai buscar inspiração para os seus trabalhos?
Eu vivo muito à custa da televisão. A televisão é um motivo de inspiração. Hoje a televisão é o poder, nós já não somos governados por um governo ou pela Assembleia da República, nós somos governados pela televisão. Hoje a televisão é quem manda neste país.
E qual é o laboratório do humorista?
Muitas vezes é a própria vida, as relações que se estabelecem, outras vezes são as coisas que se lêem.
A ideia é um relâmpago ou é trabalhada?
Às vezes, a ideia surge por acaso, outras vezes é preciso trabalhar a ideia. As coisas não surgem por inspiração divina. O treino diário acaba por ser fundamental.
> Antes e depois do 25 de Abril José Vilhena sempre zurziu a tv. O Canal Zero, um livro que 0 autor assumiu como "Um Modesto contributo para o estudo da idiotia em Portugal".
Mas afinal quem é o José Vilhena?
Nasci em Figueira de Castelo Rodrigo. Vim para Lisboa muito novo onde fiz o terceiro ano do liceu, depois mudei-me para o Porto onde concluí a escola. Faço a Faculdade de Belas Artes no Porto, mudo-me outra vez para Lisboa, onde concluo o quarto ano de Arquitectura. É nesses anos que começo a trabalhar nos jornais e a fazer bonecos, até hoje.
As pessoas têm ideia do José Vilhena como o verdadeiro anarquista. Esta ideia corresponde à verdade?
Corresponde à realidade e eu sei que é essa a imagem que o público tem de mim.
Humorista, ilustrador, escritor, editor e pintor. De todas estas facetas, qual é que prevalece?
Se eu fosse muito rico só pintava. A minha grande paixão é a pintura.
Quantas vezes é que foi processado?
Já depois do 25 de Abril fui processado 5 ou 6 vezes, mas o processo maior foi o da Carolina do Mónaco, em que ela pedia 75 mil contos, no entanto, felizmente, venci em tribunal. Depois tive outros, como o da Margarida Marante, o da Caras Lindas, da Bárbara Guimarães e da Catarina Furtado.
Acha que o português lida mal com a ironia?
Eu acho que não. A maior parte dos portugueses tem muito fair play. Eu chateei muitos políticos, como o Soares e o Cavaco. Por exemplo, o Mário Soares chateei-o de todas as maneiras e feitios e até lhe dediquei um livro. Soares escreveu-me a agradecer.
O que é para si um bom humorista?
Um bom humorista está muito ligado à crítica, a uma crítica política, a uma crítica de costumes e a uma crítica dos poderosos. Os poderosos têm a mania das grandezas e tudo isso é destruído com o humor. Quando se ridiculariza uma pessoa toda aquela proa vai por água abaixo. Foi o que aconteceu com essas vedetas da SIC que estão convencidas que são supra-sumos da inteligência portuguesa. Quando são ridicularizadas, chateiam-se, é claro.
Uma das personagens-tipo que José Vilhena criou foi a do censor. A censura incomodava-o muito?
Incomodava toda a gente, se bem que a censura nas revistas humorísticas dava uma certa abertura que não dava nos jornais. Acontecia muitas vezes eu fazer um boneco para o Diário de Lisboa e ser cortado pela censura. E depois passar no Mundo Ri.
Vilhena de padre em filmagens no Jardim das Tílias no Fundão
Curiosamente o Mundo Ri que era composto e impresso nas oficinas do Jornal do Fundão...
Não só o Mundo Ri. Também os meus primeiros livros foram compostos e impressos nas oficinas do Jornal do Fundão. Eu ía lá muitas vezes por causa disso.
Nessa revista também chateava muito os padres...
Eu acho que a Igreja sempre foi responsável por uma quantidade de atrocidades através dos tempos. Nunca se há-de livrar das patifarias que fez ao longo de dois mil anos. A Igreja católica era um apoio do Estado Novo, era um apoio do fascismo.
José Vilhena rodou um filme no Fundão. Como é que se chamava o filme?
Chamava-se O Quinto Pecado.
Qual é que era o «quinto pecado»?
A história do filme andava à volta de uns tipos que só pensavam em comer, sem nunca o conseguirem. Era um filme burlesco que tentava misturar Charlot com Jacques Tati.
José Vilhena escreveu cerca de oitenta livros. Qual é que é o seu preferido?
- Gosto muito da trilogia da História da Pulhíce Humana. Mas tenho orgulho em todos os livros que escrevi.
Sendo o José Vilhena um homem de muitas palavras, qual é a palavra que melhor fala de si?
Trabalho. Só vejo a palavra trabalho.
(excerto de trabalho publicado no Jornal do Fundão de 14-12-2002)
Capas de revistas dirigidas por José Vilhena
Comments:
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Eis um conhecedor do humor e da mais fina ironia. Vilhena é sem dúvida uma voz que, por mais incómoda que seja, jamais deixará de fazer eco.
Não concordo nada. Uma abordagem do Vilhena interessante. Você acorda assim todos os dias com os pés de fora, ou anda a desenvolver alguns sentimentos menos éticos? Olhe que a palavra mão serve só para falar mal! Tem que ter muito cuidado. Por este andar ainda azeda.
apenas a ignorância de alguns drs. pode falar mal de um homem que fez rir quem tivesse 2 dedos de testa e não tivesse telhados de vidro (ligações aos interesses instalados).
A ele agradeço ter existido, sabendo que dificilmente aparece alguem tão inteligente e fino neste país cinzento e cada vez mais mal frequentado
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A ele agradeço ter existido, sabendo que dificilmente aparece alguem tão inteligente e fino neste país cinzento e cada vez mais mal frequentado
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