quinta-feira, julho 15

Andança

Uma manhã acordei sem vontade de argumentar. Fiquei especado a olhar o jardim. Perdido no tempo, tempo que nem fui eu que o inventei. Não me importava de ouvir os desabafos dos que por ali passavam. Umas vezes fazia de conta. Eles só queriam falar sem ouvir e faziam-no em voz alta. Eu divertia-me um pouco com tudo isto. Outras vezes entusiasmava-me absurdamente com o silêncio. Lentamente, comecei a reparar em todos os que vagueavam pela cidade: os que bebiam cerveja no bar ao pé da paragem de autocarro, os que perdiam uma tarde inteira para conseguirem comprar um pacote de batatas fritas, ou os que simplesmente andavam. Histórias tenebrosas, assustadoramente alegóricas. Tudo o que fizesse não me tornaria mais ou menos livre porque a liberdade acontece quando chegamos a amar a vida.

Mesmo que por pouco tempo, decidi-me a andar pela cidade porque sabia que era possível criar e descobrir algo que me contrariasse a espera absoluta do tempo, da morte. Não sei se estarei a ser perseguido pela polícia. Ando quase sempre pelas sombras e escondo-me furtivamente em locais abandonados, onde outros vão andando como eu.

Há já quem fale de uma estátua que parecia mármore, perdida num jardim. Essa estátua era guardada por aqueles que sabiam a sua verdade – uma estátua cujo corpo era habitado por uma alma, com vida própria. É certo que os homens costumam guiar-se por ficções, quimeras que tentam dar sentido à nossa frágil existência. Ficção ou verdade ignorada, levantei-me um dia e saí de casa. Eu, estátua de mármore, sempre em espera. Vou andando e agora sinto-me livre, absolutamente invencível.




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