quarta-feira, junho 2

Essa arte de representar

Camaradas pedreiros, um elogio a uma grande actriz, Fernanda Torres.
O palco do D. Maria foi pequeno para tamanha grandeza. A presença "a solo" da actriz, para duas breves horas de monólogo, como quem conta uma história para um gravador,constitui-se como o principal chamariz para as 10 sessões, que diariamente geraram uma corrida aos lugares como é raro ver em acontecimentos do género.
A mim calhou-me um lugarzinho no balcão, na sessão extra de Sábado à tarde, às 18 e 30, por razão das lotações sucessivamente esgotadas. Apesar de não apetecer misturar o belíssimo dia de Verão da capital com uma sala fechada de teatro, a lotação manteve-se esgotada.
O desfile de lantejoulas e sapatos de salto agudo da populaça deu corpo ao mito da característica betice do D. Maria, a sala de ouro.
Em palco, uma mesa com um gravador e uma garrafa de "Bourbon" e uma cadeira.
A prestação da actriz não teve pontos altos, não teve pontos baixos, antes uma constante provocação a todos os sentidos reprimidos de todos quantos a observavam.
A história, simples. Uma mulher anónima que conta a sua vida para um gravador e que depois a deposita na caixa do correio de um escritor afamado para que a use como melhor entender.
O escritor, João Ubaldo Ribeiro, deixa em aberto a verdadeira autoria do texto e publica o livro em seu nome, "A casa dos budas ditosos".
Fernanda Torres encarna durante duas breves horas a personagem desta mulher sem nome que conta a sua vida para um gravador.
Às constantes provocações da actriz o público reage com risos nervosos, com gargalhadas prolongadas pela violência da linguagem.
Nunca um sentimento de inquietação generalizada tinha estado tão presente numa sala de espectáculos em que eu tivesse estado.
Para deixar um gostinho do texto, porque da actriz, só visto, aqui vai a frase com que Fernanda Torres encerra a sua prestação:
-"Teria ficado contente se cada um de vós estivesse por esta altura passando a mão no sexo do desconhecido que se sentou a vosso lado e toda a plateia se tivesse transformado numa imensa orgia."
Esteve por um fio, camaradas, mais 10 minutinhos e não restava lantejoula em pé naquele mar de excitação.
Tanto, que grande parte dos homens usou o que tinha mais à mão para poder levantar-se da cadeira e sair com alguma dignidade da sala, sendo o apetrecho preferido, o folheto de apresentação da peça, devido à ausência de casacos pelo calor que se fazia sentir naquela quente tarde de Verão.
Tudo isto, camaradas, com o poder da palavra, a simples palavra que quase transformou a betice do D. Maria num Cine-Bolso lotado e em êxtase para a sessão das 18.30.
Apesar de já não ser possível assistir ao espectáculo, o livro recomenda-se, para aquecer noites de Inverno ou para inspirar noites de Verão.

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