sábado, abril 17

"Ganhar no pavor"

O futebol brasileiro é uma fonte inesgotável e fascinante de exemplos de fanatismo clubista. Já se sabe que o futebol é, em todo o mundo, muito mais do que um desporto, mas esta verdade universal ganha no Brasil uma expressividade delirante. Tal como a sociedade brasileira também o seu futebol é marcado, para o bem e para o mal, pelo excesso, pelo barroco e pelo caos. Os pornográficos dirigentes desportivos portugueses, sempre disponíveis para serem actores de um espectáculo rasca e medíocre, parecem aqui uns ingénuos meninos de coro.
Um dos últimos exemplos do excesso brasileiro na sua vivência do futebol, que na maior parte das vezes dá origem a uma espécie de criatividade colectiva das massas que fascinaria Marx, deu-a a torcida do Corinthians. Clube de São Paulo, o «timão» é um dos clube mais míticos e ganhadores (apesar da sintomática crise financeira) do futebol brasileiro, e a sua falange de apoio uma das mais numerosas e fanáticas de todo o país. Enfraquecida pela fuga massiva dos seus melhores jogadores, a equipa dos alvi-negros fez uma campanha deplorável no campeonato paulista e chegou à última jornada do campeonato regular a precisar de ganhar para garantir a manutenção na primeira divisão. Apesar do cenário deprimente, ninguém acreditava que o grande clube paulista não alcança-se uma vitória sobre a Portuguesa Santista, pequeno clube do interior, e a torcida compareceu em grande número. Mas no futebol as camisolas não ganham jogos e o «timão» apenas conseguiu um decepcionante empate, sendo salvo, humilhação das humilhações, pelo arqui-rival São Paulo.
Esta humilhação foi a gota de água para os difíceis adeptos do Corinthians. No dia seguinte a torcida resolveu ir ao aeroporto «despedir-se» da equipa, que tinha um jogo para a taça a meio da semana. Trajados simbolicamente de palhaços, insultaram os jogadores de «pipoqueros» (leia-se, falta de atitude) e fizeram tiro ao boneco, com ovos devidamente preparados para o efeito, aos assustados jogadores. Diga-se, com assinalável sucesso. Mais tarde o gordo «metalero», um dos líderes da Gaviões da Fiel, a famosa claque do clube, explicou na televisão o porquê da atitude dos adeptos: «No Corinthians é assim. Se não ganham no amor, ganham no pavor!»
Eu sei que todas as etiquetas do politicamente correcto obrigam-me a repudiar este tipo de comportamento. Mas tenho que admitir que, maliciosamente, dei por mim a pensar que existem certos jogadores em Portugal que merecem um tratamento de choque à brasileira.

Comments: Enviar um comentário



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?