sexta-feira, fevereiro 20

Palavras emprestadas I

Há momentos em que cada um grita: - Eu não vivi! Eu não vivi! - Há momentos em que deparamos com outra figura maior que nos mete medo. A vida é só isto? Por mais que queira não posso desfazer-me de pequenas acções, de pequenos ridículos, não posso desfazer-me de imbecilidades nem deste ser esfarrapado que vai de pólo a pólo. Tenho de aturar ao mesmo tempo esta ideia e este gesto ridículo. Tenho de ser grotesco ao lado da vida e da morte. Mesmo quando estou só, o meu riso é idiota. E estou só e é noite. Por trás daquela parede fica o céu infinito. Para não morrer de espanto, para poder com isto, para não ficar só e doido, é que inventei a insignificância, as palavras, a honra e o dever, a consciência e o inferno.
E ainda o que nos vale são as palavras, para termos a que nos agarrar.

in Húmus, Raul Brandão

Na falta de tempo e discernimento para criar palavras minhas, peço-as emprestada a Raúl Brandão. Desde que o li, aquele excerto nunca mais me saiu da cabeça. É como se nos impelisse: Às palavras!, peguemos em palavras como quem pega em armas contra toda a insignificância da vida! E se vierem recheadas de ironia, tanto melhor. Porque, como já dizia Herberto Helder, "a ironia não salva, mas ressalva".

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