segunda-feira, novembro 24

Tarantino "tromp l`oeil"




Um dos mais promissores cineastas americanos da década de 90 – Quentin Tarantino – está de regresso, e afinal é um puro “franchising” dele próprio. Uma espécie de fórmula “fast food” para alimentar uma corja de adolescentes borbulhentos e adultos patetas, pretenseamente “off system”, e que afinal são uma legião de novos conformados, parte indispensável da perpetuação sistemática de um sistema que julgam repugnar.
Depois dos brilhantes “Reservoir Dog`s” e “Pulp Fiction” e do mais apagado “Jackie Brown”, esperava-se que o quarto filme de Quentin Tarantino – “Kill Bill”, representasse um ponto de viragem na obra do homem que aprendeu cinema de forma enciclopédica num clube de vídeo.
Mais do que uma decepção, “Kill Bill” apenas é aceitável porque tem a assinatura de um autor que granjeou crédito junto da crítica oficial.
Fosse este filme de um jovem estreante e teria sido positivamente dizimado pelas penas afiadas da guarda pretoriana do bom gosto cinéfilo.
Mais uma vez, Tarantino eterniza a fórmula que o celebrizou, recorrendo ao “pastiche” de uma série de géneros narrativos, através de uma paródia “gore” aos filmes de artes marciais, muito populares nos anos 70 e 80.
O tema central, contudo, permanece o mesmo, e é transversal a toda a obra de Tarantino, trata-se da coreografia da violência, exposta de forma grotesca e gratuita. A vingança que fornece o “leitmotiv” para o “plot” não é mais do que a justificação moral para a violência, naquilo que é uma herança clara do velho western americano.
Misto de cóboiada spaghetti, de king-fuzada kitsch, de BD manga em registo gore, e de ambiente musical disco-sound, Tarantino limita-se a repetir em “Kill Bill” a fórmula secreta da Coca-Cola que esgotou em “Pulp Fiction”, e que demonstra um perturbador atrofiamente criativo e uma perene incapacidade de saber explorar o seu inegável talento.
A violência é um tema central na cinematografia americana, que talvez tenha atingido a sua máxima expressão em Sam Peckinpaw no lendário “Quadrilha Selvagem” – um filme cru e desprovido de moral. É na ausência de moralidade ou de justificação que a violência melhor exprime a sua vertigem animal, mas esse é um desiderato que Tarantino ambicionou mas nunca atingiu, nem mesmo no argumento que ofereceu a Oliver Stone em “Natural Born Killers”, talvez o filme “mainstream” que mais se aproximou do legado de Peckinpaw.
O cinema de Tarantino pode ser exuberante e ultra-pop, conquistar plateias e galvanizar a “vídeo generation”, mas dificilmente deixará de ser adolescente no pior sentido da palavra. Continuamos, portanto à espera de um cineasta maduro e de uma obra que não seja um mero “tromp l`oeil”.
No naufrágio de “Kill Bill” a jangada apenas leva uma fabulosa Uma Thurman e Lucy Liu que protagonizam o melhor momento deste filme – a batalha final na neve.
O resto são corpos decepados, cabeças a saltar a golpe de sabre e sangue a jorrar a rodos. O sangue jorra, o talento nem por isso.

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