segunda-feira, novembro 10

-Quero sanitas amarelo canário!...

Dizia o arquitecto pelo telefone em voz berrante.
-Quero candeeiros em forma de cone, brilhantes como diamantes, com lâmpadas cor de rosa e tapetes de relva plástica pendurados no tecto. E azulejos, muitos azulejos, de muitas cores.
-Quero uma galáxia de luz e cor!
Era já raro aparecer no atelier, as ordens dava-as pelo telefone da pensão barata em Carnaxide onde passava a maior parte do seu tempo cuja decoração era de sua responsabilidade. Acontece que há coisa de um ano desesperado e desempregado ali fui bater em busca de trabalho. Deram-me o emprego. Desde logo fui avisado por alguns colegas que aquela era uma casa difícil, que, para além da excentricidade de alguns clientes, a própria casa tinha efeitos estranhos sobre as pessoas, algo relacionado com saturação psicológica e coisas do género. Fiz ouvidos de mercador. Nunca liguei muito a essas coisas de psicologia, o salário era bom, e como nunca tive nenhuma depressão decidi arriscar. A princípio tudo correu bem, a decoração era descontraída e alegre e durante os primeiros tempos senti-me muito bem por trabalhar ali.
Mas bastou um par de meses para tudo se alterar, as insónias, as enxaquecas crónicas, as náuseas perseguiam-me. Enquanto me ía tornando mais íntimo do trabalho na pensão,
ía também ficando mais í­ntimo de alguns dos clientes. Normalmente não ficavam mais que uma noite, de passagem, mas havia um residente, o doido. Azeiteiro de primeira água, passava a vida em paródias no quarto, incomodando-me a mim e a toda a gente, enquanto dava ordens para o telefone em voz berrante. De facto, tudo nele era berrante, até a velocidade com que tirava a roupa, fosse onde fosse, estivesse quem estivesse, sempre que via aproximar-se dele a camareira Maria, que nem se importava, pois, enquanto se despia, telefonava para a escola. Depois berrava: Parabéns Maria!
Assim fez o curso a minha colega Maria, e, ou muito me engano ou é a ela que cabe agora, já do outro lado do telefone, dizer que sim e revolver catálogos em busca das tão bajuladas sanitas amarelo canário.

Comments: Enviar um comentário



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?