quarta-feira, novembro 26
O círculo de giz casapiano
Na sua peça "O Círculo de Giz Caucasiano", o dramaturgo alemão Berthold Brecht propõe uma visão de um sistema de justiça baseado no profundo sentido de humanidade, que é o melhor conselheiro do bom senso que deve presidir a qualquer decisão judicial.
Esta visão romãntica e próxima de um justicialismo comunitá¡rio e primitivo (de que ainda sobram exemplos em locais remotos de Portuga), é corporizada no personagem principal dessa peça - um juíz analfabeto e popular que dita as suas sentenças, baseando-se numa jurisprudência própria e que dispensa o articulado da Lei.
Vale a pena ler essa admirável peça, à luz desse verdadeiro "círculo de giz casapiano", que se desenhou no ventre barrigudo e ufano deste nosso Portugal.
Nem quero aqui falar dos inúmeros casos que alimentam essa matilha esfaimada de escândalos que agora se acotovela nas redacções dos jornais. Queriam apenas destacar o regresso a um País corporativo e tribalesco que julgávamos extinto e defunto, mas que afinal sempre por cá andou.
No último Domingo nas respectivas tribunas televisivas, Pacheco Pereira e Marcelo Rebelo de Sousa, juntaram a sua voz influente de "intelligentsia" oficial, ao coro de uivos que os Políticos têm rosnado às mordidelas da Justiça, do Ministério Público e do Juíz Rui Teixeira.
Repare-se, que esta desconfiança em relação aos inéditos avanços da Justiça no até agora sacrossanto armário de esqueletos dos políticos portugueses, tem feito ressurgir o Bloco Central, e provocado suspeitas reacções corporativas que atravessam transversalmente todo o espectro político-partidário nacional.
Depois de se ter repetidamente tentar assassinar o carácter e a competência do Juíz Rui Teixeira (pelo qual não nutro estima particular), sem resultados aparentes, já que num último estudo de confiança publicado pelo DN, os portugueses colocavam o juiz Rui Teixeira muito perto da referência de confiança e prestígio que é o Presidente da República, passa-se agora a discutir os "excessos" de protagonismo dos magistrados, que ameaçam ocupar um palanque habitualmente monopolizado pelo poder político.
No Domingo, Marcelo Rebelo de Sousa e Pacheco Pereira voltaram a levantar este "dogma", a propósito de uma entrevista do Juíz Rui Teixeira e do Juíz Rui Rangel à Rádio Renascença e ao Público, onde estes magistrados se pronunciavam sobre o sistema judicial português.
Inicialmente (no início deste processo) a magistratura era acusada de ser anacrónica em relação a um mundo polarizado pela informação e pelo mediatismo, agora são acusados precisamente do contrário. Este despauperado desnorte de contradições transmite sinais preocupantes de que os políticos estão a ficar nervosos com o poder do poder judicial. Fala-se mesmo na expressão "monstro judicial" para designar os poderes do Ministério Público, que alegadamente cresceram desmeduradamente sob o consulado socialista. Espero que esta tese, não seja o prenúncio de uma contra-ofensiva legislativa comandada pelos políticos para "amarrar" os juízes à sua voz de comando, como Berlusconi fez em Itália, livrando-se de forma tenebrosa (própria das ditaduras sul-americanas) dos acusações que sobre ele pendiam, e "algemando" incómodos juízes que protagonizaram a espectacular mega-operação "Mãos Limpas", que deslindou a pestilenta putrefacção que germinava nas relações entre poder político, crime organizado e obscuros interesses económicos e que levou Andreotti e Betino Craxi ao banco dos réus (ambos escaparam impunes).
Os políticos portugueses estão preocupados com o poder mediático que a Justiça portuguesa nunca teve e começa agora a ter, e este confronto corporativo assume proporções que demonstram claramente que o corporativismo - e tudo o que nele existe de ameaçador a uma democracia madura e dinâmica - está bem vivo na sociedade portuguesa.
Quando se verbera jactâncias sobre os jeans e a t-shirt do juíz; sobre os passeis de jipe do juíz; sobre o excesso de protagonismo do juíz, até sobre a idade e competência do juíz; está-se a criar uma campanha orquestrada de descredibilização, e recorre-se vergonhosamente a técnicas básicas de propaganda. Chama-se a isto uma manobra de diversão para iludir o essencial com o acessório e isto devia-nos preocupar a todos. A imprensa bem pensante (normalmente mais próxima dos sectores políticos do que da vetusta magistratura) dá normalmente cobertura e amplifica esta contra-ofensiva mediática dos políticos (Ferro Rodrigues deve ter batido o recorde mundial de entrevistas numa semana), o que também nos devia preocupar, e muito.
A Justiça não está isenta de erros, mas isso deveria ser válido para os "zé-ninguéns" ou para os poderosos. Prefiro uma Justiça que não erre, mas se errar, prefiro mil vezes que o faça indiscriminadamente sem critério de cor, raça, credo, fama, poder ou riqueza. Custe o que custar, e sobretudo, que doa a quem merece doer. Esperemos que o Círculo de Giz Casapiano não seja mais uma vez um circulo desenhado a impunidade no ventre barrigudo e ufano de Portugal.
Esta visão romãntica e próxima de um justicialismo comunitá¡rio e primitivo (de que ainda sobram exemplos em locais remotos de Portuga), é corporizada no personagem principal dessa peça - um juíz analfabeto e popular que dita as suas sentenças, baseando-se numa jurisprudência própria e que dispensa o articulado da Lei.
Vale a pena ler essa admirável peça, à luz desse verdadeiro "círculo de giz casapiano", que se desenhou no ventre barrigudo e ufano deste nosso Portugal.
Nem quero aqui falar dos inúmeros casos que alimentam essa matilha esfaimada de escândalos que agora se acotovela nas redacções dos jornais. Queriam apenas destacar o regresso a um País corporativo e tribalesco que julgávamos extinto e defunto, mas que afinal sempre por cá andou.
No último Domingo nas respectivas tribunas televisivas, Pacheco Pereira e Marcelo Rebelo de Sousa, juntaram a sua voz influente de "intelligentsia" oficial, ao coro de uivos que os Políticos têm rosnado às mordidelas da Justiça, do Ministério Público e do Juíz Rui Teixeira.
Repare-se, que esta desconfiança em relação aos inéditos avanços da Justiça no até agora sacrossanto armário de esqueletos dos políticos portugueses, tem feito ressurgir o Bloco Central, e provocado suspeitas reacções corporativas que atravessam transversalmente todo o espectro político-partidário nacional.
Depois de se ter repetidamente tentar assassinar o carácter e a competência do Juíz Rui Teixeira (pelo qual não nutro estima particular), sem resultados aparentes, já que num último estudo de confiança publicado pelo DN, os portugueses colocavam o juiz Rui Teixeira muito perto da referência de confiança e prestígio que é o Presidente da República, passa-se agora a discutir os "excessos" de protagonismo dos magistrados, que ameaçam ocupar um palanque habitualmente monopolizado pelo poder político.
No Domingo, Marcelo Rebelo de Sousa e Pacheco Pereira voltaram a levantar este "dogma", a propósito de uma entrevista do Juíz Rui Teixeira e do Juíz Rui Rangel à Rádio Renascença e ao Público, onde estes magistrados se pronunciavam sobre o sistema judicial português.
Inicialmente (no início deste processo) a magistratura era acusada de ser anacrónica em relação a um mundo polarizado pela informação e pelo mediatismo, agora são acusados precisamente do contrário. Este despauperado desnorte de contradições transmite sinais preocupantes de que os políticos estão a ficar nervosos com o poder do poder judicial. Fala-se mesmo na expressão "monstro judicial" para designar os poderes do Ministério Público, que alegadamente cresceram desmeduradamente sob o consulado socialista. Espero que esta tese, não seja o prenúncio de uma contra-ofensiva legislativa comandada pelos políticos para "amarrar" os juízes à sua voz de comando, como Berlusconi fez em Itália, livrando-se de forma tenebrosa (própria das ditaduras sul-americanas) dos acusações que sobre ele pendiam, e "algemando" incómodos juízes que protagonizaram a espectacular mega-operação "Mãos Limpas", que deslindou a pestilenta putrefacção que germinava nas relações entre poder político, crime organizado e obscuros interesses económicos e que levou Andreotti e Betino Craxi ao banco dos réus (ambos escaparam impunes).
Os políticos portugueses estão preocupados com o poder mediático que a Justiça portuguesa nunca teve e começa agora a ter, e este confronto corporativo assume proporções que demonstram claramente que o corporativismo - e tudo o que nele existe de ameaçador a uma democracia madura e dinâmica - está bem vivo na sociedade portuguesa.
Quando se verbera jactâncias sobre os jeans e a t-shirt do juíz; sobre os passeis de jipe do juíz; sobre o excesso de protagonismo do juíz, até sobre a idade e competência do juíz; está-se a criar uma campanha orquestrada de descredibilização, e recorre-se vergonhosamente a técnicas básicas de propaganda. Chama-se a isto uma manobra de diversão para iludir o essencial com o acessório e isto devia-nos preocupar a todos. A imprensa bem pensante (normalmente mais próxima dos sectores políticos do que da vetusta magistratura) dá normalmente cobertura e amplifica esta contra-ofensiva mediática dos políticos (Ferro Rodrigues deve ter batido o recorde mundial de entrevistas numa semana), o que também nos devia preocupar, e muito.
A Justiça não está isenta de erros, mas isso deveria ser válido para os "zé-ninguéns" ou para os poderosos. Prefiro uma Justiça que não erre, mas se errar, prefiro mil vezes que o faça indiscriminadamente sem critério de cor, raça, credo, fama, poder ou riqueza. Custe o que custar, e sobretudo, que doa a quem merece doer. Esperemos que o Círculo de Giz Casapiano não seja mais uma vez um circulo desenhado a impunidade no ventre barrigudo e ufano de Portugal.