quarta-feira, novembro 12

Descubra as diferenças

Desde já peço desculpa aos meus co-pedreiros o espaço que vou ocupar com a seguinte citação, e aos leitores peço algum paciência para lê-la.

"Os portugueses tinham aprendido a calcular a latitude.
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Uma vez que se podia calcular a latitude, tanto no mar como em terra, tinha-se a posse da chave para os aceanos.
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Cada viagem era uma experiência, um incentivo ao aperfeiçoamento.
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A estratégia portuguesa, o conhecimento através da experiência, tinha lógica. Cada viagem era baseada nas antecedentes; a cada viagem iam um pouco mais longe; anotavam a latitude atingida, alteravam os mapas e cartas de marear e por onde passavam deixavam padrões para assinalar a sua presença.
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A façanha portuguesa é testemunho do seu espírito empreeendedor e força, da sua fé religiosa e entusiasmo; da sua capacidade para mobilizar e explorar os conhecimentos e técnicas mais recentes. Nenhum chauvinismo tolo; o pragmatismo em primeiro lugar. Atraíram gente de fora pelo dinheiro, conhecimentos práticos e mão-de-obra.
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Quando os Portugueses conquistaram o Atlântico sul, estavam na vanguarda da técnica de navegação. Um empenho em aprender com cientistas estrangeiros, muitos deles judeus, fizera que os conhecimentos adquiridos fossem directamente traduzidos em aplicações práticas; e, quando, em 1492, os Espanhóis decidiram compelir os seus judeus a professar o cristianismo ou abandonar o país, muitos encontraram refúgio em Portugal, nessa época mais complacente quanto aos seus sentimentos antijudaicos. Mas em 1497, pressões da igreja católica e de Espanha levaram a coroa portuguesa a abandonar essa tolerância. Cerca de 70 mil judeus foram forçados a um baptismo espúrio, embora válido como sacramento. Em 1506, Lisboa viu o seu primeiro "progrom", que deixou um saldo de 2000 "cristão-novos" mortos (a Espanha já adoptava essa prática há duzentos anos). Desde então, a vida intelectual e científica de Portugal desceu a um abismo de intolerância, fanatismo e pureza de sangue.
O declínio foi gradual. A Inquisição Portuguesa só foi instalada na década de 1540 e o seu primeiro auto-de-fé três anos depois; mas só se tornou sombriamente implacável na década de 1580, depois da união das coroas portuguesa e espanhola. Muitos estrangeiros, comerciantes e homens de ciência, acharam entretanto que a vida em Portugal estava a ficar demasiado perigosa para justificar a saída do país em massa. Levaram com eles dinheiro, experiência comercial, ligações, conhecimentos e – ainda mais importante – aquelas qualidades imensuráveis de curiosidade e inconformismo que constituem o fermento do pensamento.
Foi uma perda, mas em questões de intolerância a maior perda é a que o perseguidor inflige a si próprio. É esse processo de autodiminuição que confere à perseguição a sua durabilidade e a torna, não o acontecimento de um dado momento, ou de um reinado, mas de vidas inteiras, de gerações e de séculos. Em 1513, Portugal precisava de astrónomos; na década de 1520, a liderança científica tinha acabado. O país tentou criar uma nova tradição astronómica e matemática cristã, mas fracassou, até porque os bons astrónomos foram alvo da suspeita de judaísmo.
Tal como em Espanha, os Portugueses esforçaram-se ao máximo em fechar-se a influências estrangeiras e heréticas. A educação formal era controlada pela Igreja, que mantinha um currículo medieval centrado na gramática, retórica e argumentação escolástica. Característicos eram o exibicionismo e o bizantinismo (247 regras rimadas e decoradas da sintaxe de substantivos latinos). A única ciência de nível superior seria encontrada na faculdade de medicina de Coimbra. Mesmo aí, porém, poucos professores estavam dispostos a trocar Galeno por Harvey, ou a ensinar as ideias ainda mais perigosas de Copérnico, Galileu e Newton, todos banidos pelos Jesuítas ainda em 1746.
Deixou de haver mais jovens portugueses a estudar no estrangeiro e a importação de livros era rigorosamente controlada por fiscais enviados pelo Santo Ofício para inspecionar os navios que chegavam e visitar livrarias e bibliotecas. Um índice de obras proibidas foi preparado pela primeira vez em 1547; sucessivas ampliações culminaram na gigantesca lista de 1624- a mais recomendada para salvar as almas portuguesas.
(…)
Claro que era impossível isolar um país envolvido no concerto da Europa e na disputa por um império. Os diplomatas e agentes portugueses no estrangeiro regressavam ao país com a mensagem de que o resto do mundo estava a avançar, enquanto Portugal ficava parado no tempo. Esses "estrangeirados" – uma alcunha pejorativa – atraíram profundas suspeitas, pois estavam "contaminados". A sua rejeição estava implícita no orgulho português. Profundamente desastroso. Eles perceberam o que pouco portugueses podiam ou queriam ver: que a busca da pureza cristã era estúpida, que o Santo Ofício da Inquisição era um desastre nacional; que a Igreja devorava a riqueza do país; que o fracasso do governo em promover a agricultura e a indústria tinha reduzido Portugal ao papel de "melhor e mais lucrativa colónia da Inglaterra". Através desse isolamento auto-imposto, os Portugueses perderam a competência até mesmo nas áreas que anteriormente tinham dominado. "De líderes na vanguarda da teoria e prática de navegação passaram a andar sem rumo muito atrás dos outros", como afirmou D. Luís da Cunha, por altura da assinatura do Tratado de Methuen".

A Riqueza e a Pobreza das Nações- porque são algumas tão ricas e outras tão pobres, de David S. Landes, ed. Gradiva 2002

Portugal do séc. XVI e Portugal do séc. XXI: descubra as diferenças...

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