quarta-feira, novembro 26

Cenas da vida conjugal com um cadáver



Vivia em casa um Verão envenenado. Num gesto de revolta doméstica revolvi a gaveta e finalmente encontrei o revólver. Disparei ao acaso e acertei repetidamente num espelho, no abat-jour que herdara da Tia Palmira, no armário das gavetas, e no guarda-fatos. O cadáver que ali vivia há anos, soltou um queixume irado.
– Meus pobres ossos, já um esqueleto não pode viver em paz no armário!
A partir daquele dia, passei a arrumar os pijamas na gaveta junto às peúgas perfumadas e ao revólver inquieto. Comprei uma cana de pesca e passei as tardes de Domingo a pescar peças de roupa interior do estendal da vizinha de baixo, que depois arrumava religiosamente na gaveta de baixo, junto ao terço e à bíblia que recebera de herança da minha avó Deolinda.
Do esqueleto nunca mais escutei lamúrias. Vivíamos numa cordata paz doméstica e conjugal.
Ele no armário, eu na terceira gaveta, submergido pela lingerie dominatrix da vizinha e do abençoado crucifixo da família.
V7

PS: Não resisti a ir buscar este catálogo ao Vodka7, para animar a pedreira. Afinal, um homem não é de pedra....

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