sexta-feira, outubro 31

Humanidade superficial

«A falsa cordialidade do político barato», uma pérola extraída de um notável romance - «No fio da navalha» de um dos mais brilhantes romancistas britânicos - Somerset Maugham. Aproveitando o embalo da chuva miudinha que em bátegas serpenteia pelo vidro, vou deleitando-me com as últimas páginas deste extraordinário romance. Uma das personagens Elliot, pede a extrema unção a uma vida feita de brilho superfulo das festas de alta sociedade em Paris e na Côte D`Azur. No momento da morte, esta fabulosa personagem, acredita que a sua expiação divina será feita no Céu, nos círculos mais restritos de cavalheiros e cabeças coroadas, como se a Redenção tivesse a mesma geografia mundana dos beberetes de fim de tarde em Antibes. Elliot acredita que tendo a sua extrema unção ministrada por Bispo, teria entrada garantida na mais alta sociedade divina. "É como ter um cartão de visita de um príncipe da Igreja". Admirável a finissima e comovedora ironia que perpassa na escrita de Somerset Maugham, que não se limita a expôr o ridículo humano (como Eça tão bem fazia), mas que condescende com esse ridículo como afirmação de humanidade. Uma prosa elegante, uma narrativa eficaz e metódica e um profundo sentido de humanidade, fazem deste autor um vulto incontornável da literatura anglo-saxónica. «No fio da navalha» é também uma batalha entre o materialismo humano e o idealismo divino, tomando o ideal como a aproximação do divino, encarnado na personagem de Larry, um aventureiro do conhecimento com propensão para o misticismo.
Sem dúvida, uma leitura obrigatória para o moderno e vazio jet set nacional. Decerto, poucos destes ilustres famosos deixariam de ficar incomodados com a crueza do superfulo que bafeja as suas vidas, e se calhar todas as nossas.

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