quarta-feira, junho 30

...

Nada mais assoviava lá fora que o vento nos pinhais.
Nada mais que o assovio da solidão neste sítio de Fundão.
Vento frio da Serra que apaga os lumes da alma e os cobre de geada miudinha.
Aqui o vento é bem mais forte.
Aqui o mundo pára a vê-lo apagar as lareiras de Inverno.
O mesmo vento que se espalha pelos pinhais quando o calor do Sol de Verão se mistura com as labaredas da floresta que corre sem buraco onde se enfiar.
Poderiam sempre esconder-se no Fundão.
Para aqui fugir, mas não, não.
Não são permitidas as florestas nesta terra de vento que passa sem parar.
Por momentos enganou-me, julguei ouvir o assovio da serra a descer pelas encostas e a chamar-me da mesma varanda de antes, mas não, mil vezes não, como mil são as estações de extrema solidão.
No momento em que usar o ponto, o mais que final, esquecer-me-ei dela, como a morte esqueceu o meu avô, dentro de uma panela.
Agora sim, o ponto, o mais que final.
Só assim me encostarei, acreditando na manhã sem viagem.

segunda-feira, junho 28

A Política do Perde-Ganha...

Não há como os portugueses para descobrirem vitórias morais ou, face ao desastre mais completo agarrarem-se ao acessório perdendo de vista o essencial.
Vem isto a propósito da estrondosa derrota do PSD nas últimas eleições europeias, em que o PS infligiu a maior derrota eleitral à direita de pois do 25 de Abril.
A causa deste resultado encontra-se nas desastrosas políticas deste governo. O desemprego não parou de subir ao longo dos últimos dois anos, tendo no último ano subido cinco vezes mais em Portugal que a média da União Europeia. A inflação não para de subir e o português vive cada vez com mais dificuldades. As reformas fiscais ficaram na gaveta e a classe média começa a desaparecer preocupantemante em Portugal. Os ricos cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. O governo aumentou em 100% as propinas, não para aumentar a qualidade das instituições mas sim para pagar contas corrente como os ordenados dos professores e outros funcionários. Os incentivos à investigação foram reduzidos drásticamente, bens esseciais dos cidadãos foram privatizados. Além disso Durão Barroso ligou irresponsávelmente Portugal à fotografia da guerra, mentindo no parlamento sobre a existência de armas de destruição massiça no Iraque. A tudo isto o povo manisfestou-se nas eleições europeias, podia ter dado um cartão amarelo decidiu-se pelo vermelho.
Em dois anos pior governação era impossível,este Primeiro-ministro foi um total desastre para país, mas quinze dias depois assume a presidência da Comissão Europeia. Durão perdeu o pais, mas ganhou europa. Que pobreza!
Abstenção e futebol
2-Depois de animadas discussões com amigos sobre o efeito de alienação do futebol, que eu não concordava e achava de um pseudo-intelectualismo completamente insuportável, pousei o pensamento por poucos minutos nos números da abstenção.
Os 60% de abstenção das últimas eleições são o epílogo de muitos outros actos eleitorais e referendos onde o fenómeno começou a germinar e a crescer. Esgotada a novidade do voto, o português tem a tendência para transferir a responsabilidade das suas próprias decisões para os outros. Não é assim que acontece todos os dias?
Ausentes da realidade, aí está uma coisa em que os portugueses se tornaram verdadeiros campeões. Se é assim nas eleições porque é que haveria de ser diferente com o futebol?

3 Ousar pensar eis a questão...
Extremamente perturbante o texto que P F escreveu aqui recentemente. Depois de o ler formulei algumas questões.
A tendência para a amnésia será uma fatalidade dos políticos, sobretudo quando chegam ao poder?
Quem confronta as palavras e os actos e os analisa na dicotomia do antes e do depois, da posição e do poder? depressa descobre como os comportamentos são volàteis e as palavras mudam de significado.
Quero eu dizer que quando o Sampaísmo (PS) armado de arrogância e autismo entrou em queda acelarada e Frexes conduziu o PSD para o poder
com um projecto, onde a política era algo mais do que estender a mão ao clientelismo e á promoção da mediocridade partidária.
A verdade, porém, é que a política vem confirmando a ideia que as diferênças entre os dois universos políticos determinantes (PSD e PS)são cada vez mais iguais na mera gestão de um clientelismo comandado a partir dos partidos.
Muda-se o Partido, mudam-se os construtores civis, mantém-se a mesma forma de fazer política. É pena.

sexta-feira, junho 25

Contos Parabólicos

Máxima humanidade
A Intenção era boa, a execução não foi a melhor - Esta parábola futebolistica é ironicamente o epitáfio da humanidade.

Devir histórico
Ao primeiro tempo sucedeu-se o segundo tempo, e assim sucessivamente. O eterno destino do futebol é circular como uma bola.

Mercado de carne
No final da partida os jogadores das duas equipas trocaram de camisolas, mas não chegaram a trocar os corpos como numa música do Sérgio Godinho.

Amarguinha táctica
O catenaccio é uma táctica defensiva - proferiu o treinador.
- Por isso, hoje somos obrigados a jogar em fellatio !
Esta súbita ousadia estratégica trouxe muitos amargos de boca à squadra azurra.

Last call
A baliza estava aberta ... ao contrário do bar - lamentava-se o adepto da cerveja.

Vulgaridade artística
Zé Manel era um homem vulgar, típico e igual a tantos outros. O anónimo macho lusitano, conpíscuo e desprovido de qualquer tipo de sensibilidade. Tinha no entanto um apurado sentido estético, diria quase barroco, sobre a arte de ver um jogo de futebol à frente do televisor. Enquanto no ecrã de plasma se projectava a imagem dos dribles de Zidane, ou das defesas de Buffon, Zé Manel colocava no seu hi-fi um CD de Death Metal, e contratava putas de todas as nacionalidades para lhe fazerem grandes mamadas, enquanto bebia cerveja e arrotava copiosamente.
Está assim provado, que mesmo o mais anónimo dos homens tem um sentido de perversão artística muito superior a qualquer mulher dotada de inteligência e humor. Para Zé Manel, o broche era uma forma de expressão artística só comparável a ver um bom jogo de futebol. Essa é uma cacofonia que infelizmente nenhuma mulher compreende. As putas estão por isso muito mais próximas do verdadeiro universo masculino do que qualquer mulher letrada.

Trent
A cotação do petróleo está a dois jogadores brasileiros por barril.

Delfos online
"Um jogo de futebol é como uma tragédia grega", já dizia o Oráculo de Delfos, o mesmo que fundou a lógica de que prognósticos só no fim, e anteviu o resultado final do Portugal-Grécia, na sua crónica semanal no Record online.

Defesa da arte
"A verdadeira arte é a sagração da disciplina. Só a férrea vontade permite a disciplina da criação da obra, e a sua destruição. A verdadeira arte é por isso efémera, perecível e destrutível. É no caos e na negação que se concretiza a arte, nunca na sua criação."
Depois desta palestra do treinador daquela equipa Barroca, os defesas entreolharam-se, murmurando - o que será que o mister quis dizer com isto? Acho que é para cortar as bolas de qualquer maneira, traduziu o veterano capitão.

Angústia no banco
Devido a um trauma profissional, o suplente tremia com a ideia de mudar um pneu.

Moeda báltica
Aquele derby teve de ser decidido por moeda ao ar, o que acabou por contribuir para a disseminação da moeda única naquele país do Báltico.

Hipnose galinácea
Panenka o hipnotizador checo deixou de marcar penaltis e passou a a fazer crer aos guarda-redes adversários que eram frangos.

Onze contra onze
As nações da Europa uniram-se para um torneio de futebol e desuniram-se para a Constituição do onze inicial.

Soluço decisivo
O guarda-redes foi acossado por um convulsivo ataque de soluços. Solidário, o avançado-centro da equipa adversária pregou-lhe uns valentes sustos.

Morte no éter
Este jogo é impróprio para cardíacos – anunciou em tom estrindete o narrador desportivo da rádio, antes de tombar vítima de uma síncope cardíaca. Uma morte etérea.

Matar saudades
O anjo das pernas tortas desceu ao relvado, fintou dois russos, um português, três centrais paraguaios, vários fiscais de linha, um “steward”, dois massagistas e uma horda de adeptos que se preparavam para invadir o relvado. Satisfeito, Garrincha voltou para o ceú para driblar toda a equipa do inferno.

Veneno digestivo
Da bota do venenoso extremo da selecção da Bolívia libertou-se um Piton que devorou toda a defesa adversária, mastigando com vagar o guarda-redes.

A ressurreiçãoO avançado-centro morreu ao amanhecer... e ressucitou ao terceiro dia.

Filosoficamente correcto
Farto de rematar à baliza, sem sucesso, o avançado-centro decidiu deixar de rematar à baliza. Uma excelente opção táctica, já que na prática o resultado foi o mesmo.

Todos nús
Num acampamento de nudistas o monitor decidiu organizar uma partida de futebol num campo pelado. O problema foi distinguir uma equipa da outra, afinal a Nike não patrocina pilas.

Bicla
Negrete trocou o pontapé de bicicleta por uma potente Kawasaki. Comprou o “on the road” do Kerouac e fez-se à estrada para o Euro.

Homo Erectus
O massagista continuava a esfregar o trinco, que envergonhado não evitou uma erecção espontânea.

Dieta táctica
Vão lá e comam a relva – gritou o treinador ao intervalo. Jarbas, o central de marcação, levou a ordem à letra e tornou-se vegetariano.

Tintol é gol
Venha outro penalti que o guarda-redes mexeu-se – escrevia o jovem jornalista desportivo, cofiando o bigodinho presumido enquanto cogitava – onde é que eu já ouvi isto?

quarta-feira, junho 23

Agarrei...

...no bloco de manhã mas o lápis escorreu-me das mãos à velocidade do pensamento. Mal tocou o chão desatou a correr deixando-me especado à porta do café.
O computador não foge, permanece aqui, estático, ligado, dias e dias seguidos, sabe-se lá a pensar no quê. Não me deu novidade alguma quando o acordei, deve ter percebido que a longa ausência se deveu ao facto de haver outro na minha vida e deve ter ficado chateado.
O que ele não sabe é que também eu senti a sua falta, e agora demoro horas a escrever uma frase, agora que o sonho é real e começa a tomar conta do que resta de mim.
Ergam-se os muros da vontade!
Murmurava-se, à beira da loucura e da tasca do Jaime.
Afastem-se do caminho as horas, os horários, o ter que fazer!
Impeça-se o pensamento de ser comandado!
Deixe-se a liberdade em paz!
Ou invente-se outra, que esta deixou de servir.
Porque não OBRESSÃO? Ou ENGANADE? MANIPULAÇÃO!
Ou simplesmente ______________ ?
Liberdade.
À porta das fábricas que deixam de produzir, em vivendas com vista para o mar, em hotéis a demolir, nas casas a cair… com vista para o mar.
Que lindo mar.
Que linda blusa de cetim com essa página da poesia toda de Ar Naldo a servir-te de écharpe! Parabéns! Acho que é moda, nada moda.
O Moeda agora dorme aqui em frente a casa, na paragem do 12, vejo a sua cama daqui enquanto escrevo, às vezes levo-lhe comida e cigarros mas nem sempre tenho para lhe dar. Consigo ouvir o seu monólogo continuado.
-DáumaMoedadáumaMoedadáumaMoeda!DáumCigarrodáumCigarrodáumCigarro,
que se transforma quando lhe pergunto:
- Tens fome?
- Tenho. Podes dar-me cabo dela?
- Posso.
Vou à padaria que abriu por baixo da casa dos Senegaleses, onde era o antigo forno.
- Um café e umas carcaças, como dizia a música, e um maço de cigarros.
E um mundo novo.
Dançado, escrito e cantado por artistas conhecidos. Pelo Sérgio Godinho, que ainda se lembra das músicas de 70, quando a pulseira de ouro está 10 anos à frente, muito à frente!
E uma carrada de artistas conhecidos a fazer anúncios a detergentes milagrosos e milagreiros na televisão, enquanto as telenovelas se apoderam da internet, pelo menos dez anos à frente.
- À frente de si próprios, dizia o filósofo. Não podia estar mais enganado, atrás, atrás de si próprios, a correr, 10 anos inteirinhos passados a correr atrás de si próprios, e eu atrás, a correr atrás deles.
Mas porque correm, meu deus?
Acho que correm atrás dos trinta dias em que continuam a existir on line, mesmo depois da morte.
Chega.
O espectáculo tem que continuar.
Agarrei no bloco de manhã mas o lápis escorreu-me das mãos à velocidade do pensamento. Mal tocou o chão desatou a correr deixando-me especado à porta do café.

segunda-feira, junho 21

A frase




A frase vale o que vale para cada costela partidária ou para cada afinidade política mas é, sem dúvida, a mais genial que eu já li sobre o jogo Espanha-Portugal. Veio do blog do barnabé:
"Capitalizemos politicamente esta vitória: Nuno Gomes é de esquerda porque transforma a realidade."

sábado, junho 19

¡En castellano! ¡Para que se oiga!

No decimos lo que pensamos. Hace ya tiempo que se nos acabaron las ganas de hablar. Se nos acabaron con el calor… Uno platica aquí y las palabras se calientan en la boca con el calor de afuera, y se le resecan a uno en la lengua, hasta que acaban con el resuello. Aquí así son las cosas.

…………………………………………………………………………………….

-¿Dices que el Gobierno nos ayudará, profesor? ¿Tu conoces al Gobierno?
Les dije que sí.
-También nosotros lo conocemos. Da esa casualidad. De lo que no sabemos nada es de la madre del Gobierno.


Do autor mexicano Juan Rulfo
"El llano en llamas"

sexta-feira, junho 18

Eu, Fundão

Muito boa tarde meus senhores.
Boa tarde, e muito obrigado.
Agradeço aos senhores governantes,
por à minha beira, uma auto-estrada terem colocado.
Eu que por aqui, vivo estagnado,
sujeito a secar, a ser dragado,
sugado p’la terra que me tem suportado.
E o verão rigoroso que tudo tem estragado,
as cerejas os pêssegos a comida p’ró gado.
Em mim, o que seca, é o que está já estragado,
a água que brota, que alimenta o gado,
que rega o campo, de químicos atolado,
que desembocou aqui, para morrer estagnado.
Seca-me o sol que me tem vigiado,
a sucessão dos poderes, que me tem controlado,
seca-me o desprezo que por aqui tem passado,
e a água que não vem, lá daquele lado.
Meus senhores: Muito obrigado.
Obrigado por sobre mim terem escrito e falado.
Obrigado por esse gesto não ser obrigado.
Obrigado por beberem do pobre estagnado.
E se por acaso, passarem ao lado,
Não vos repugno por haverem repugnado,
Não vos ignoro por haverem ignorado,
Não passo afinal de um lago estagnado.

Fundão, Junho de 2000

(aos camaradas da pedreira. Porque depois de 4 anos, a única alteração que tive que fazer foi de caminho de ferro para auto estrada)

quarta-feira, junho 9

Os retratos de esforço

Os retratos de esforço
São tirados à chuva,
Como se fossem de fim de dia,
Quando as luzes temporizadas dos neons da cidade piscam e se apagam.
Os gasómetros das cidades às vezes também se fundem com as cidades em redor,
com o negrume da noite que dá descanso a quem dorme na rua.
A liberdade vendida em embrulho de miséria.
O frigorífico feito urna removido por lixeiros de noite de temporal.
Os retratos de esforço
São tirados de manhã
Quando as almas fugidias se escondem de um dia atrasado, misturadas com o cinzento dos rostos que marcam a cadência sonora das buzinas das fábricas.
Quando as buzinas das fábricas, meticulosamente empunhadas por condutores de táxis com os motores ainda frios aos soluços pelas avenidas se ouvem trazidas pelo vento das manhãs.
Quando os Kispos ruidosos se apoderam dos corpos que empurram para as ruas, para dentro dos autocarros onde se sentam ao lado das irmãs e irmãos que nunca tiveram.
Quando no vão transparente de um prédio, onde o frio pareceu dar tréguas ao rosto gretado de um homem durante a noite, permanece o mesmo homem, igualmente transparente e gretado.
Os retratos de esforço
São tirados por cegos
que empunham os olhos
como quem fuma um cigarro
Mostrando as coisas
que se cansaram de ver.

terça-feira, junho 8

Futebol: Paixão à primeira vista

"A partir de 12 de Junho tem início o campeonato europeu daquele que é para muitos um desporto verdadeiramente apaixonante. O fascínio que um espectáculo como o futebol pode ter sobre multidões, contaminando cada indivíduo que, de uma forma ou de outra acaba por se elevar à categoria de adepto, justifica a retransmissão das competições nos mais diversos locais, seguindo formas de transmissão desde o emocionante directo até aos planos angulares que captam meticulosamente cada pormenor, cada ângulo do campo. Apaixonante é o desporto-rei que nos mobiliza mas que também nos oferece um espaço de afirmação de identidades individuais e colectivas. "Futebol: o revelador de todas as paixões" (in Le Monde Diplomatique, Junho de 2004) é o título dado por Christian Bromberger a um artigo recomendável a todos os apaixonados por este desporto de equipa. Bromberger é etnólogo e publicou, entre outras obras, Football: la bagatelle la plus sérieuse du monde (2004) ou ainda Le Match de football. Ethnologie d'une passion partisane à Marseille (1992). Nos últimos anos, o futebol tem sido alvo de pressões, quer no que diz respeito à criminalidade financeira, quer ao clima de insegurança dos estádios que já contam com alguns mortos e feridos (Inglaterra, Sheffield, 95 mortos em 1989; Bélgica, Heysel, 39 mortos e 600 feridos em 1985). Não desanimem porém os amantes de futebol porque, ao contrário dos estigmas que o têm caracterizado como "divertimento banal que distrai de uma visão clara de ordem social e dos grandes problemas da existência individual e colectiva", esse que é considerado por muito o ópio do povo é dos poucos desportos que permite o libertar de emoções colectivas, muitas vezes reprimidas pelos valores socialmente impostos no quotidiano. Será que o futebol está ao serviço exclusivo dos Estados? Não será antes o futebol um estímulo para uma consciência política? Não terá o futebol um papel revelador do ponto de vista cultural e simbólico? Questões pertinentes levantadas por Bromberger que convergem num «terreno de afirmação de identidades». "São realmente massas anónimas e unânimes, nas quais o entusiasmo comum, a alegria festiva de estar com os outros e a mobilização consensual contra o adversário comum adormecem, pelo menos temporariamente, a consciência das diferenças". Tomar partido de um clube é não só a afirmação de uma identidade, mas também a coragem de viver em plenitude a emoção, sem medo de hinos, de bandeiras, ou até mesmo de excessos verbais e gestuais. Mas o futebol pode ter ainda outros encantos: o trabalho de equipa aliado à performance individual, a solidariedade. Contraditório pode pois ser o futebol - ao mérito individual e colectivo pode sobrepôr-se a falcatrua, quando a derrota se torna também intolerável e a infelicidade dos outros é felicidade do eu. Entre «Nós» e os «outros», o verdadeiro futebol deve consagrar as fidelidades territoriais, as lealdades nacionais, a justiça e arbitratiedade, o apaixonante encontro entre "regiões e gerações". Porque "semana após semana o jogo recorda-nos, de modo lancinante, a verdade fundamental de um mundo incerto: o destino é doravante um eterno recomeço".

sexta-feira, junho 4

O Arco

O arco fechou-se em si
A parede caiada de chumbo
Chamou-se pelo nome a quem não conhecia
que lhe pediu a atenção e a comeu com batatas
Cosidas a saias e a meias de pés
mexericando os risos em volta.
Seu tom,
Sempre grave, calmo, bebedor.
Assimilante, lembras-te de mim,
Como borracha naqueles tubos de vidro
Traçando barreiras inquebráveis
de sons alucinantes.
Lembras-te de mim.
Lembras-te do fraco guerreiro,
que cruzava a noite em candeeiros
de azeite de chama apagada.
Lembras-te dos risos das coisas
torcidas e esfumeantes
Do barulho das palavras enroladas no mar
Do cheiro da alegria coberta pela toalha da mesa posta para jantar.
Eu esqueço.
Agora esqueço.
A sempre esqueço.
Enquanto a candeia estiver deborcada sobre a tal estrela, do tal mar
Caio e cairei
Enquanto tiver horas para comer e dançar
e a porta, meio aberta, não tiver força para se fechar
Começou por começar
Disse, já viste onde estão as canetas?
Estão torcidas
Torci-as hoje
E vou fora
Vou sair
Para depois poder entrar
Podia ir mas não fui
Já não penso nisso
Só o refiro agora
Porque esvazio o pensamento
e os borbotos libertam-se das laçadas
que os amarram e inundam as folhas
Ninguém os chamou, e mesmo assim vieram, fico contente
Também ninguém pediu ao pincel
que se enchesse de tinta e desatasse a traçar
Encruzilhadas pela cidade
Nas paredes e nas estradas
no mobiliário urbano.
Nas costas das pessoas.
Nem o presidente viu o que se passava.
Distraíra-se com a beleza da rebarbadora que polia os quintais.
Esbarrou em 3 semáforos, um de cada cor, todos inertes e silenciosos.
Pensou que fosse do calor que percorria as ruas misturado com o alcatrão.
Obviamente.
Este ano tiveste corte de cabelo!?
Sim, e mais, de Norte a Sul as casas voam.

quinta-feira, junho 3

Cum catano! Só faltava esta!

O fim da brincadeira.

A festa do futebol

600 milhoes de Euros e sete estádios depois, chega a Portugal a romaria de gente vinda de todos os cantos da Europa e do mundo (no caso de Coimbra, pobres, vao levar com boa parte dos 50 mil ingleses que compraram bilhetes). Viram-se os olhares para nós.
Pessoalmente, nao é a minha ideia ideal de encontro de culturas, nem a primeira ideia que me ocorre quando surge a pergunta tipo DN "se fosse governante, em que gastaria esse dinheiro?". Mas enfim, nao sou governante (felizmente) e o dinheiro está gasto, por isso comece a festa, de sardinha numa mao e uma super bock na outra!

quarta-feira, junho 2

Despacho de não-pronuncia de Paulo Pedroso

"Desculpe sr. deputado, o seu irmão tem razão, Silvino é que é culpado. Condenação dos queixosos em custas e pagamento de indemnização ao sr. deputado. Publique-se. Ana."

Essa arte de representar

Camaradas pedreiros, um elogio a uma grande actriz, Fernanda Torres.
O palco do D. Maria foi pequeno para tamanha grandeza. A presença "a solo" da actriz, para duas breves horas de monólogo, como quem conta uma história para um gravador,constitui-se como o principal chamariz para as 10 sessões, que diariamente geraram uma corrida aos lugares como é raro ver em acontecimentos do género.
A mim calhou-me um lugarzinho no balcão, na sessão extra de Sábado à tarde, às 18 e 30, por razão das lotações sucessivamente esgotadas. Apesar de não apetecer misturar o belíssimo dia de Verão da capital com uma sala fechada de teatro, a lotação manteve-se esgotada.
O desfile de lantejoulas e sapatos de salto agudo da populaça deu corpo ao mito da característica betice do D. Maria, a sala de ouro.
Em palco, uma mesa com um gravador e uma garrafa de "Bourbon" e uma cadeira.
A prestação da actriz não teve pontos altos, não teve pontos baixos, antes uma constante provocação a todos os sentidos reprimidos de todos quantos a observavam.
A história, simples. Uma mulher anónima que conta a sua vida para um gravador e que depois a deposita na caixa do correio de um escritor afamado para que a use como melhor entender.
O escritor, João Ubaldo Ribeiro, deixa em aberto a verdadeira autoria do texto e publica o livro em seu nome, "A casa dos budas ditosos".
Fernanda Torres encarna durante duas breves horas a personagem desta mulher sem nome que conta a sua vida para um gravador.
Às constantes provocações da actriz o público reage com risos nervosos, com gargalhadas prolongadas pela violência da linguagem.
Nunca um sentimento de inquietação generalizada tinha estado tão presente numa sala de espectáculos em que eu tivesse estado.
Para deixar um gostinho do texto, porque da actriz, só visto, aqui vai a frase com que Fernanda Torres encerra a sua prestação:
-"Teria ficado contente se cada um de vós estivesse por esta altura passando a mão no sexo do desconhecido que se sentou a vosso lado e toda a plateia se tivesse transformado numa imensa orgia."
Esteve por um fio, camaradas, mais 10 minutinhos e não restava lantejoula em pé naquele mar de excitação.
Tanto, que grande parte dos homens usou o que tinha mais à mão para poder levantar-se da cadeira e sair com alguma dignidade da sala, sendo o apetrecho preferido, o folheto de apresentação da peça, devido à ausência de casacos pelo calor que se fazia sentir naquela quente tarde de Verão.
Tudo isto, camaradas, com o poder da palavra, a simples palavra que quase transformou a betice do D. Maria num Cine-Bolso lotado e em êxtase para a sessão das 18.30.
Apesar de já não ser possível assistir ao espectáculo, o livro recomenda-se, para aquecer noites de Inverno ou para inspirar noites de Verão.

Talvez seja ingenuidade minha...

...mas coisas destas dão-me uma enorme vontade de promover a sublevação popular. Que país de brincadeira!...

terça-feira, junho 1

Desconto criminal

Uma tabuleta à porta daquele tribunal anunciava uma campanha de descontos:
“Homícidio premiditado – 30%”
“Assédio sexual no local de trabalho – 20%”
“Condução sob efeito do álcool – 10%”
“Crimes contra a humanidade – 90%”
“Penas iguais ou superiores a prisão perpétua – 100%”
“Fogo posto – 30%”
“Violação de velhinhas – 50%”
“Roubo de bicicletas – 5%”
“Fraude eleitoral – 40%”
“Ir ao cú a meninos – 100%”
A campanha de saldos judiciais foi um sucesso e o Ministro da Justiça foi condecorado com a Medalha de Mérito da Soalheira e ofereceu a todos os juízes uma garrafinha de aguardente de pera, para se embebedarem com os meirinhos, fora do horário laboral.


Mais continhos paragráficos em www.vodka7.blogspot.com

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